Título: Classe média também perdeu poder de compra
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/05/2008, Editoriais, p. A2

27 de Maio de 2008 - Os persistentes sinais de recrudescimento da inflação já provocaram os primeiros reflexos no poder de consumo dos brasileiros O impacto mais significativo, mesmo levando-se em conta a recuperação iniciada no segundo trimestre de 2005 até o último trimestre de 2006, atingiu o poder de compra do salário mínimo nos últimos meses, em termos de cesta básica. Porém, esse impacto ainda não foi avaliado no que diz respeito ao chamado consumo da classe média, abrangendo a alta de bens e de serviços. A queda no poder de compra do salário mínimo é resultado da acelerada escalada dos preços de alimentos e de reajustes bem menores no salário mínimo ao longo de 2007 e no primeiro quadrimestre deste ano. Como 45 milhões de pessoas no Brasil têm seu rendimento referenciado nesse salário, esse impacto é importante. Uma consultoria especializada, a LCA Consultores, mostrou que o poder de compra medido em cestas básicas registra quedas sucessivas mês a mês, desde junho de 2007, quando comparado com o mesmo período do ano anterior. Em outras palavras: faz um ano que o salário da chamada baixa renda compra menos do que comprava no ano anterior, porque a inflação embutida na cesta básica crescia em velocidade muito superior à da reposição oferecida pelo reajuste do mínimo. Entre março de 2005 até dezembro de 2006 registrou deflação. Porém a tendência reverteu em junho de 2007, quando o custo da cesta avançou 12,9%, em comparação com junho de 2006. Em dezembro de 2007, a alta alcançou o pico de 20,1% na referência comparativa com o mesmo mês de 2006. Nesse mesmo período, a variação nominal do salário mínimo começou a perder densidade de forma acelerada. Por exemplo, entre março de 2006 e março de 2007 o reajuste do mínimo caiu de 16,7% para 8,6%. E isso, no exato momento em que os preços da cesta básica aumentavam a ponto de consumir toda a deflação acumulada nos dois anos anteriores. A queda no poder de compra será sentida com maior intensidade neste ano. Segundo a perspectiva dessa consultoria, o consumo das famílias deve desacelerar de 6,5% para 5,7%. Os gastos mais altos com os itens de alimentação deve retirar poder aquisitivo das camadas mais baixas para consumo de bens não-duráveis, como artigos de limpeza e higiene pessoal. O impacto dessa perda de renda pode até não ser sentido, no primeiro momento no consumo de bens duráveis, pois, como insistiram os economistas da consultoria, o poder do crédito, "com prazos enormes", deve acomodar esse impacto ao longo desse ano. O consumo das famílias é um dos principais fatores da expansão da economia brasileira. A consultoria estima uma expansão do PIB de 4,6% neste ano, ante os 5,4% de 2007. A recuperação do mínimo, ao lado dos generosos programas de assistência social promovidos pelo governo federal, está na essência da forte redução dos índices de pobreza alcançados pelo Brasil entre 2003 e 2006. Levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostrou que nesse período a miséria caiu 27,7%, superando recuo obtido de 24,3% ocorrido durante o período de 1998 a 2002. Apenas em 2006, quando o mínimo subiu o dobro do que em 2007, um total de 5,9 milhões de pessoas deixou o que os técnicos chamam de "situação de miséria", isto é, renda per capita familiar inferior a R$ 125 ao mês, que em 2006 atingia 36 milhões de brasileiros, nos cálculos da FGV, o que representou 19,3% da população. Vale notar que entre 2003 e 2006 a renda domiciliar per capita dos mais pobres cresceu 57,4%, quase oito vezes e meia o crescimento de 6,84% da renda dos 10% mais ricos da população. No meio desses dois extremos de expansão de renda, dos mais pobres atendidos pelos programas de políticas sociais compensatórias do governo federal, capitaneados pelo Bolsa Família, e a expansão de renda das fatias mais ricas da população, está a classe média. É ela que paga a educação privada e o seguro-saúde, por exemplo, apesar de todos os impostos que recolhe. Essa camada social, ensanduichada entre os mais pobres e os mais rico, está, como reconhecem vozes sensatas, esmagada e esgotada. É curioso saber que, segundo pesquisa da consultoria Ernest Young, a classe média brasileira é a que paga mais Imposto de Renda entre, por exemplo, todos os países da América do Sul. Foram pesquisados salários equivalentes a R$ 2.743 em sete países, além do Brasil, avaliando o peso da alíquota máxima sobre esses contribuintes. Enquanto no Brasil esse contribuinte recolhe 27,5% do que recebe, na Colômbia esse mesmo salário paga 19%; no Peru, 15%; e no Chile, 5%. Não há dúvida de que a inflação atingiu duramente o custo da cesta básica e que, aliada à perda de recuperação do poder de compra do mínimo, derrubará o consumo dos mais pobres. Quanto à classe média, não foi preciso sequer avaliar esse estrago, porque essa camada social sequer tinha experimentado alguma recuperação de seu poder de compra ao longo dos últimos anos. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)