Título: O Brasil e a polêmica dos biocombustíveis ::
Autor: Silva, Manoel Horacio Francisco da
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/05/2008, Opinião, p. A3

27 de Maio de 2008 - Nos anos de 1960 e 1970, a teoria malthusiana estava muito em voga em função do crescimento acelerado da população mundial e da ameaça da expansão do problema da fome. O que se seguiu a partir daqueles anos foi a desaceleração do crescimento populacional na maioria dos países e o desenvolvimento da tecnologia da genética dos grãos e produtos agrícolas em geral, que promoveram rapidamente a produção agrícola mundial. A atual discussão sobre o avanço da produção de biocombustíveis ressuscitou o velho Malthus, apregoando que o uso do solo para esses fins poderá provocar aumento da miséria e da fome, já que isso impacta fortemente nos preços dos alimentos. Outro ponto levantado é o de que, principalmente nos países emergentes, o avanço da agricultura direcionada para a produção de biocombustíveis provoca a derrubada de florestas para a expansão da área agriculturável, colocando em maior risco o equilíbrio do meio ambiente. Vejo nessa argumentação dos países do Primeiro Mundo sérias implicações políticas e econômicas, por lhes faltar competitividade com custos elevados de produção agrícola quando comparados ao Brasil. Se tomarmos o exemplo americano, que utiliza o milho, ou ainda o europeu, que produz diversos grãos fortemente subsidiados para a produção de etanol, podemos concordar que o uso do solo para esses fins compete diretamente com a produção de alimentos, provocando escassez e, conseqüentemente, aumento de preços para o consumidor. No caso brasileiro, o avanço da produção de cana-de-açúcar tem sido feito sobre áreas de pastagens degradadas ou improdutivas. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produtividade da geração de proteína animal tem crescido substancialmente com a utilização de áreas menores para o desenvolvimento de gado. Dados da Dataagro, consultoria especializada em cana-de-açúcar e álcool, mostram que a utilização de pasto nos últimos dez anos era de 0,4/0,5 cabeça por hectare e hoje chega a 0,8 cabeça por hectare. O Brasil é ainda um dos países com maior espaço disponível agriculturável para a produção de alimentos. Ocupamos cerca de 10% do território nacional com a agricultura e outros 20%, aproximadamente, com pastagens. A produção de cana-de-açúcar tem-se expandido principalmente nas áreas de pastagens, devendo neste ano crescer, de acordo com a Conab, de 7 milhões para 7,8 milhões de hectares, o que significa um aumento de 11%. No total, a área não ocupará mais de 1,1% das terras brasileiras. O argumento convincente é o de que, apesar do crescimento da cultura de cana-de-açúcar, o Brasil baterá neste ano todos os recordes de produção agrícola, atingindo 142 milhões de toneladas de grãos, ou seja, 7,2% de crescimento sobre o ano anterior, além de também apresentar alta na produção de carne na comparação com 2007. O problema atual na oferta e no aumento de preços de alimentos é resultado do crescimento do poder aquisitivo de países asiáticos em geral, como Índia e China, e de nações emergentes, que conseqüentemente causam desequilíbrio na oferta. A alta de preços agrícolas é também conseqüência do aumento dos preços do petróleo, que tem provocado grande incremento nos custos dos insumos agrícolas. A idéia não é simplificar o problema atual da fome nos países pobres sob a perspectiva da crise. A fome tem sido uma constante através dos tempos, principalmente pela exploração da pobreza e pela corrupção política naquelas nações, os maiores vetores da miséria e o que tornam a solução deste problema muito mais complexa. Por hora, o ponto polêmico sobre a produção do etanol é o de que estamos assustando o mundo com a nossa capacidade de produzir alimentos e a nossa capacidade tecnológica de transformação de combustíveis renováveis. Temos clima e solo extremamente favoráveis à produção agrícola e que nos converterá no celeiro do mundo em pouco tempo. Temos também uma economia equilibrada, que deve crescer com sustentabilidade, e uma grande chance de ajudar a alimentar o mundo. Cabe a nós aproveitar esta oportunidade, adotando políticas e ações na direção correta. kicker: O avanço da cana no Brasil não compete com a produção de alimentos (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) MANOEL HORACIO FRANCISCO DA SILVA* - Presidente do Banco Fator. Próximo artigo do autor em 24 de junho)