Título: Dívida do consumidor já afeta vendas de alimentos e bebidas
Autor: Gotardello Filho, Wilson
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/05/2008, Empresas, p. C1

São Paulo, 27 de Maio de 2008 - As indústrias de bebidas e alimentos preparam uma reação a desaceleração do consumo registrada nos últimos meses. O endividamento da população - resultado da redução da taxa de juros e do conseqüente aumento do crédito registrado nos últimos anos - gerou uma leva de consumidores comprometidos com prestações de bens duráveis e semi-duráveis, que agora consome menos e mais barato para pagar as parcelas. Os sinais desse novo tempo puderam ser sentidos nos últimos resultados, principalmente no mês de abril e nas projeções de maio. "A saída para esse desaquecimento são as promoções, não só em relação a preço, mas a estratégias de incentivo do consumo", afirmou Paulo Macedo, diretor da Femsa Mercosul, fabricante das cervejas Kaiser, Bavária, Sol entre outras. A empresa mexicana registrou crescimento de 2,8% no último trimestre. "Mas os nossos planos eram bem mais otimistas", contou Macedo. O executivo classificou a desaceleração das vendas de "anormal", e culpou a temperatura baixa, a antecipação do carnaval e, principalmente, a diminuição da renda disponível, resultado do endividamento da população. "Isso está levando a uma substituição dos gastos", explicou Macedo, enfatizando que o celular tem ocupado cada vez mais destaque no orçamento mensal dos brasileiros. Marco Antonio Rosa, presidente executivo da Ducoco Alimentos, também acredita que o celular tem roubado o lugar dos alimentos e das bebidas nas contas do mês. "São aqueles dez , vinte reais que desviam o consumo", explicou. Segundo ele, para enfrentar essa desaceleração do crescimento a empresa deve apostar em novos sabores e novas linhas de produtos. "As indústrias que não tiverem produtos inovadores, com apelo de ineditismo, que tenham capacidade de força de venda com marcas fortes, terão problemas", explicou Cézar Tavares, vice-presidente da Vilma Alimentos. "Os consumidores estão fazendo economia severa na área de alimentos para quitar o déficit de caixa provocado pelo nível de endividamento", disse. Queda A empresa de Tavares tem registrado desaceleração do volume de vendas neste início de ano. No primeiro trimestre, as vendas totais, em volume, totalizaram 55,2 mil toneladas, alta de 4,64%. No quadrimestre o crescimento foi mais tímido, de 2,32%, para 72,1 mil toneladas. Analisados os meses de abril e a expectativa em relação a maio, os resultados já são negativos: queda de 3,9%, para 16,8 mil toneladas em abril, e estimativa de queda de 3,5% para o mês de maio, em comparação com 2007. "O nível de endividamento mudou os hábitos alimentares", afirmou. Segundo o executivo, os consumidores estão reduzindo o consumo assim como buscando produtos mais baratos. E é o preço que tem pegado os consumidores de surpresa. "As formas de pagamento levaram o consumidor a imaginar que tem condição de comprar", disse. "Mas eles não contavam com a instabilidade dos preços. Eles não imaginavam que derivados de trigo, milho, soja, arroz, feijão e carnes iriam se posicionar como estão posicionados", concluiu. A busca por produtos mais baratos é sentida principalmente em relação aos derivados do trigo. Para fazer frente a essa procura pelo mais em conta, Tavares disse que a empresa deve intensificar os lançamentos e as inovações até o final do ano. "O consumidor quer experimentar produtos inéditos." A linha de bolos cremosos, por exemplo, que tem valor agregado maior que as misturas de bolos tradicionais, será ampliada de quatro para seis sabores. São justamente as vendas de produtos com maior valor agregado, assim como os reajustes, que têm salvado os resultados da Vilma nos últimos meses. Apesar da desaceleração das vendas em volume, o faturamento segue em alta. No quadrimestre, a alta acumulada chega a 16,4%, para R$ 126,4 milhões. A Predilecta Alimentos, fabricante de geléias, molho de tomate entre outros produtos, também tem sentido a desaceleração do consumo. De acordo com Antonio Carlos Tadiotti, sócio e diretor industrial da empresa, o percentual de crescimento das vendas vem diminuindo mês a mês. Em janeiro e fevereiro houve alta de 27%, em março o crescimento foi menor, de 22%, 11% em abril e a previsão é que fique em 9% no mês de maio. Adequação Denis Ribeiro, economista da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), afirmou que essa desaceleração do desempenho das vendas de alimentos e bebidas é uma adequação do mercado em relação ao crédito farto dos últimos anos. "Na medida em que houve um aumento de renda, aumento do emprego formal e a expansão violenta do crédito, as pessoas se comprometeram com prestações", explicou Ribeiro. "Este comprometimento vai respingar nas indústrias de bens de consumo. Como você não pode cortar alimentos, corta produtos. É um efeito de substituição", afirmou. Por conta disso, o economista disse que as indústrias que focam na produção de produtos diferenciados serão as mais afetadas, alvos das primeiras "trocas". Apesar do "viés de queda" esperado para o desempenho deste segundo trimestre, os três primeiros meses do ano registraram altas das vendas em volume e reais, que não levam em consideração a inflação. "Neste trimestre as vendas reais devem cair", estimou. Nos três primeiros meses, a produção cresceu 8% e a venda real teve alta de 7%. "Mas a crise mundial dos alimentos ainda não estava em pauta ", disse. Apesar das indústrias já traçarem estratégias para driblar a queda no consumo, Ribeiro afirmou que a melhoria do cenário para o setor está diretamente ligada a questões macroeconômicas. "A situação só deve estabilizar se houver melhoria do salário nominal, se a economia manter o crescimento de 4,5%, 5% e o emprego formal se mantiver sustentável", explicou. E o setor corre riscos de ver a situação agravada. Segundo Ribeiro, a pressão para elevar a taxa de juros pode reverter em prejuízos. "Se aumentar os juros vai diminuir a atividade econômica e o problema vai continuar", disse. Para Ribeiro, as indústrias podem se esforçar para minimizar a desaceleração, mas é necessário que o governo encontre um jeito de combater a desvalorização do câmbio sem elevar juros. "Se o crescimento cai para 3,5%, por exemplo, vai constranger ainda mais as vendas de alimentos." (Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 1)()