Título: A polêmica sobre a publicidade de bebidas
Autor: Oliveira, André Ferreira de
Fonte: Gazeta Mercantil, 28/05/2008, Opinião, p. A3

:: 28 de Maio de 2008 - As recentes medidas do governo visando restringir a publicidade de bebidas alcoólicas no País vêm merecendo destaque na mídia. A primeira tentativa ocorreu por intermédio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que fez consulta pública e chegou a emitir um esboço de regulamento sobre a matéria. Entretanto, em parecer datado de julho de 2007, a Advocacia-Geral da União (AGU) fez ruir tais pretensões, ao afirmar que mudanças nas regras publicitárias só poderiam ser introduzidas por medida provisória (MP) ou projeto de lei, jamais por instrução normativa ou ato administrativo equivalente. Diante disso, o governo redirecionou seus esforços para o campo legislativo. Promulgou em tempo recorde a MP 415 e o Decreto 6.366, que proíbem a venda de bebidas alcoólicas em estradas, e apresentou projeto de lei, ainda pendente de apreciação, que estende às cervejas a aplicação das regras já existentes (atualmente, apenas as bebidas com mais de 13 graus alcoólicos estão sujeitas à Lei federal 9.294). Nesse contexto, era de esperar uma reação do Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), ONG que tem por objetivo zelar pela ética publicitária. E ela veio por meio de nova reformulação dos Anexos A (bebidas alcoólicas de grau alcoólico elevado); P (cervejas e vinhos); e T (ices e assemelhados) do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária. A última reformulação havia ocorrido em 2003. Tendo em vista que as mudanças foram aplicadas uniformemente nos três anexos mencionados, discorreremos brevemente e de forma única sobre as novas regras, sendo aplicáveis os comentários a todas as bebidas alcoólicas, inclusive abaixo de 13 graus alcoólicos. As mudanças começam já na regra geral (item 1). Em vez de simplesmente declarar ser "aconselhável" que o slogan não adote apelo de consumo, o novo texto veda expressamente o apelo imperativo de consumo não apenas no slogan, mas também em texto e imagem, direta ou indiretamente. Além disso, proíbe a oferta exagerada do produto em qualquer peça de comunicação. A fim de reforçar a proteção a crianças e adolescentes, o Código passa a exigir que websites usados na divulgação de bebidas alcoólicas contenham dispositivo de acesso seletivo. Trata-se de simples regulamentação de prática já amplamente difundida no mercado, sendo rara (e reprovável) a divulgação nesse segmento que não seja antecedida de filtro de acesso a menores de idade. Outra alteração importante é a que proíbe a utilização de cena, ilustração, áudio ou vídeo que apresente ou sugira a ingestão da bebida. A versão anterior proibia unicamente a ingestão. O conceito de "sugestão" do consumo é subjetivo, mas entendemos que a intenção foi proibir o "quase consumo", como, por exemplo, o ato de encher o copo levando-o à boca, mas não concretizando o ato. As alterações tiveram como foco, ainda, o excesso de sensualidade ou sexualidade nas campanhas. Na verdade, o uso da sexualidade como mote principal de campanhas de bebidas alcoólicas já era objeto de proibição. Entretanto, a nova regra proíbe igualmente o apelo exagerado à sensualidade e a utilização de modelos como objeto sexual. Finalmente, os novos anexos tornam expressa a presunção de responsabilidade dos anunciantes pelos testemunhos de pessoas famosas na promoção do produto, ou seja, aqueles em que a celebridade expressa opinião supostamente própria. Nesses casos, não somente serão aplicáveis todas as demais regras do Código de Ética, como também o anunciante poderá responder por eventual dano causado ao consumidor. Vale relembrar que as regras previstas no Código de Auto-Regulamentação não têm força de lei (é a chamada "soft law"). Entretanto, é inegável que a auto-regulamentação e o respeito às regras, já bastante restritivas, previstas pelo Conar exercem papel fundamental na repressão a abusos na publicidade de bebidas alcoólicas. As novas regras passaram a ter aplicabilidade em 10 de abril de 2008 e devem levar a um aumento do número de representações movidas por consumidores ou concorrentes perante o Conselho de Ética do Conar. Não se sabe, porém, se o esforço será suficiente para dissuadir o governo de tomar medidas mais drásticas. kicker: Novas regras do Conar, bastante restritivas, podem coibir os abusos (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) ANDRÉ FERREIRA DE OLIVEIRA* - Advogado do escritório Danneman Siemen)