Título: Importações mudam perfil da produção
Autor: Elias, Juliana
Fonte: Gazeta Mercantil, 28/05/2008, Nacional, p. A7

São Paulo, 28 de Maio de 2008 - O crescimento das importações de encontro ao aumento do consumo no País já começa a refletir em alguns setores da indústria nacional - desde aqueles que vêem seus produtos serem substituídos pelos internacionais no varejo, até os que se aliam ao câmbio baixo para complementar sua produção. A mudança nestes perfis pode ser verificada pela indústria de papelão ondulado, mas no sentido inverso ao que sempre esteve ligada. Por ser um material usado como embalagem pela maioria dos setores produtivos, o papelão se consolidou como uma espécie de termômetro da economia do País. Os resultados recentes, no entanto, mostram que essa tradição está sendo quebrada. Enquanto o consumo no País cresce a taxas recordes, as vendas de papelão estão entrando em tendência de queda. Segundo a Associação Brasileira do Papelão Ondulado (ABPO), o volume total comercializado do papel caiu 0,7% em abril, comparado a mesmo mês de 2006, para 193,2 mil toneladas. Em março, já havia caído 6,42%, e no acumulado do ano registra retração de 0,66%, com 734,8 toneladas. "O papelão já deixou de ser um medidor das condições do PIB há algum tempo", defende Ricardo Amoroso, presidente do grupo de papel e celulose Orsa. "O nível de importação representa hoje cerca de 20% do consumo da sociedade. Isso significa que muita coisa é produzida lá fora e já vem embalada", explica. Ele ainda ressalta que o crescimento do País, acima do esperado em 2007, foi muito puxado por commodities e pelo setor de máquinas e equipamentos, áreas que não embalam os seus produtos. Isso refletiu nos resultados de 2007, quando as vendas de papelão cresceram 3,4%, aquém dos 5,4% de evolução do PIB. Dentro do próprio Grupo Orsa a retração é sentida. A companhia cresceu 1,7% em 2007, enquanto a indústria como um todo avançou 6%. Os planos de ampliar em 25% a capacidade da produção de embalagens a partir deste ano, conta Amoroso, estão sendo revistos, e foram adiados por ora. "Agora estamos mais céticos e segurando os investimento", disse o executivo. Faturamento parado Um dos primeiros setores a sofrer com um câmbio enfraquecido, a indústria calçadista já tem visto seu faturamento estabilizado há algum tempo - mesmo com as vendas no varejo do setor, de acordo com a pesquisa do IBGE, tendo crescido 11,9% de março de 2007 a mesmo mês de 2008. "É uma situação preocupante. Até pouco tempo, importação era uma coisa muito pequena. Foi dobrando de um ano para o outro", disse o vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Ricardo Wirth. No acumulado de janeiro a abril, as importações cresceram 49,8% sobre mesmo período de 2007 (para US$ 97,7 milhões) - contra aumento de 4,4% das exportações (com R$ 646,4 milhões). Na A.Grings, fabricante da marca Picadilly, a gerente de exportação, Micheline Twigger, conta que houve casos em que seus modelos foram copiados por fabricantes asiáticos, e chegaram ao País custando US$ 3,60 (ou R$ 6,30), enquanto a A.Grings não conseguia vender o mesmo par por menos de R$ 35 aos lojistas. "Estamos tendo que competir com os importados, de forma às vezes até desleal, e ainda com muitas empresas nacionais que, antes focadas principalmente para exportação, estão se voltando mais para o mercado interno", contou Micheline. Consumo interno compensa Mas importações não chegaram necessariamente para suprimir a indústria nacional. No caso da produção de vestuário, o avanço das importações já fez o déficit comercial do setor dobrar do início de 2007 para cá, chegando a US$ 500 milhões no acumulado de janeiro a abril. Ainda assim, as vendas da indústria nacional do vestuário conseguiram crescer 16¨% em março, comparadas a mesmo mês de 2007. "Estamos, felizmente, em uma curva de crescimento, e as importações estão acompanhando isso. A indústria, na média, não está sendo sacrificada. Se ela opta por importar em vez de produzir aqui, é basicamente para complementar a sua linha", defendeu o presidente do Sindicado das Indústrias Têxteis (Sintex), Ulrich Kuhn. Ainda assim, ele não prevê muito tempo para que a importação passe a de fato inibir a produção têxtil no País e, assim, pressionar seus preços. "No próximo semestre ou começo do ano que vem já devemos começar a sentir isso." Ele conta que, até 2006, as importações tinham pouca representação no varejo de roupas e tecidos, entre 1% e 2%, para fechar 2007 com 4% e se aproximar dos 5% ou 6% até o fim de 2008. "As importações são uma novidade recente para nós", conta Maior variedade Na indústria de brinquedos, as importações chegam a 20% das vendas do setor, que faturou R$ 2,2 bilhões em 2007. Ainda assim, a área conseguiu crescer 4,5% no ano passado e calcula avançar entre 6% e 8% em 2008, segundo dados da Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedo (Abrinq). Na Grow, segundo seu gerente de marketing, Gustavo Arruda, o crescimento acumulado entre janeiro e abril chega aos 15%. O impulso foi dado em boa parte pela decisão da empresa por importar produtos que não constam de sua linha de produção, como jogos de video game, produtos para bebês e bichos de pelúcia, produzidos em países como China (de onde vêm 80% deles), Tailândia e Vietnã. As compras começaram há três anos, mas já representam quase 20% do portfólio da empresa. De qualquer forma, não chegaram para substituir a produção - conhecida principalmente pelos jogos de tabuleiro e valorizada por licenciamentos de marcas de força no público infanto-juvenil, como High School Music e Homem de Ferro. Desde 2006, a Grow investiu para que sua produção crescesse na faixa dos 10% ao ano. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 7)(as)