Título: A política de olhos fechados
Autor: Cavalcanti, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 23/04/2011, Política, p. 4

Na fotografia do jornal, Maria Maciel, 39 anos, aparece com o rosto fechado. É de tristeza e raiva. Nas mãos, exibe o retrato da filha, Geysa, morta no último dia 8. Aos 23 anos, a moça foi esfaqueada, queimada e largada às margens de uma rodovia do Distrito Federal, a DF-290. O assassino confesso, Antônio Carlos Moreira Souza, 26 anos, era companheiro de Geysa. Está preso. Agora, Maria Maciel briga pela guarda do neto, de 8 anos, filho de Geysa e Antonio. ¿Quero fazer dele tudo que ela queria que ele fosse.¿

A história de Geysa e de outras 20 mulheres foi contada na série de reportagens Fácil de matar (A morte tem nome de mulher), publicada por este Correio ao longo da última semana. Mais do que um trabalho jornalístico impecável ¿ o que inclui esforço de pesquisa e apuração da repórter Alana Rizzo, com a colaboração de 10 profissionais da equipe dos Diários Associados ¿ as matérias denunciam a ausência do Estado no combate a um fenômeno ainda pouco estudado no Brasil, o femicídio.

Oficialmente o Brasil não produz números de assassinatos por sexo. É um atraso. Países latino-americanos, como Chile, Costa Rica, Guatemala, El Salvador e Colômbia, monitoram as mortes violentas de mulheres e tipificam o crime. Ações públicas dependem de informações. Para ser eficiente, um gestor precisa de dados que permitam a criação de políticas. Sem eles, perde-se facilmente. A eficiência está ligada à capacidade de trabalhar com os números, decifrando-os e propondo iniciativas. Se não os temos, nós, brasileiros, estamos mal.

Os dados disponíveis no país sobre o assassinato de mulheres são do Ministério da Saúde, que utiliza o Sistema de Informações sobre Mortalidade, o SIM. O problema é que a estatística difere dos números da segurança pública ¿ sem contar com subnotificações, os casos de mortes nunca contabilizados. Sem saber onde atacar, o Estado perde tempo, dinheiro e energia no combate à violência. Para piorar, nenhum dos pontos do Plano Nacional de Políticas para Mulheres cita a redução dos assassinatos como prioridade.

Do que se sabe Os números da reportagem foram levantados nas secretarias de Segurança Pública, nas polícias e a partir de informações colhidos por movimentos feministas. Do que é possível saber, 4,6 pessoas são assassinadas por grupo de 100 mil habitantes do sexo feminino, em média, a cada ano. Nessa conta, em relação a países vizinhos da América Latina, o Brasil perde no ranking do femicídio apenas para lugares como Guatemala, Guiana e El Salvador. Por aqui, o aumento médio no número de tais mortes chega a 30% de 2000 para 2010. Em algumas cidades, o terror é ainda maior.

A reportagem do Correio visitou Almirante Tamandaré, um município a 40km de Curitiba. Ali, um grupo de policiais, políticos e empresários é acusado de matar mulheres. A delegada Vanessa Alice, designada para acompanhar o caso, pediu a prisão de 50 pessoas envolvidas com a quadrilha, autodenominada ¿A Firma¿. A Justiça aceitou a prisão de 17 dos acusados. ¿Os processos ficam parados e a gente fica de mãos atadas¿, disse a promotora Siymara Smotter. ¿Não dá tempo de acompanhar as mortes.¿ O alerta de Siymara precisa ser levado a sério. É urgente não mais fazer política às escuras, como se o país estivesse de olhos fechados.

Outra coisa O jornalista Maurício Stycer cobriu pelo UOL Notícias o drama de meninos e meninas da escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo. No fim do trabalho, o repórter mostrou, em seu blog, as impressões da cobertura da mídia sobre o massacre. ¿Fiquei impressionado com a tensão e o desespero dos repórteres e câmeras de televisão. Além do empurra-empurra para conseguir imagens banais, presenciei inúmeras situações (¿) em que os colegas agem como `diretores¿ de cena, orientando os entrevistados, com o objetivo de conseguir imagens mais dramáticas e falas mais fortes.¿ A leitura vale, para os espectadores, leitores e, é claro, jornalistas.