Título: A infra-estrutura ainda ameaça o crescimento
Autor: Cypriano, Márcio Artur Laurelli
Fonte: Gazeta Mercantil, 30/05/2008, Opiniao, p. A3

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30 de Maio de 2008 - Há uma pedra no caminho do desenvolvimento brasileiro, e ela se chama infra-estrutura. Por enquanto, determina um peso a mais no custo dos produtos consumidos internamente ou exportados, reduzindo a competitividade do País. Mas não é, ainda, um entrave absoluto. Caso o Brasil continue a crescer com as boas taxas dos últimos anos, o que deve acontecer, os riscos aumentam. Mais:a falta de uma base moderna e ampla nas áreas de transporte e energia, para ficar em apenas dois pontos, nos afastará do sonho de crescer num ritmo mais rápido, condizente com as nossas possibilidades. O assunto não é novo, nem desconhecido. Freqüenta as preocupações de todos os que pensam no desenvolvimento brasileiro a médio e longo prazos, incluindo-se nesse grupo funcionários públicos de alto escalão. No entanto - e aqui está uma faceta curiosa de nosso pensamento estratégico - pouco tem sido feito. Sim, o leitor se lembrará do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado no ano passado pelo governo. O PAC é um bom programa, um bom plano de metas, mas sua execução tem sido morosa. E apenas uma fração dos recursos previstos para 2007 e 2008 foi efetivamente aplicada. De maneira que continuamos a caminhar rumo ao gargalo anunciado. Tenha-se uma idéia das necessidades mínimas na área de infra-estrutura. Os dados que seguem são da Associação Brasileira da Infra-estrutura e das Indústrias de Base (Abdib) e da Fundação Getulio Vargas. As rodovias estaduais e federais concentram mais de 60% das cargas transportadas. Na avaliação de especialistas, cerca de 70% dessas estradas estão em condições ruins ou péssimas. Dos 55 mil quilômetros da malha federal, 15% necessitam de recuperação, e não apenas de manutenção, tal o seu estado. Isto sem mencionar a necessidade de construir novas rodovias. O custo do transporte rodoviário no Brasil aproxima-se de 20% do PIB. Nos EUA, esse custo é de 8%. Durante décadas, a malha ferroviária brasileira estacionou em 29 mil quilômetros e sua operação passou a ser deficitária. Em 1997, foram feitas concessões para o setor privado e a situação melhorou bastante. Os concessionários investiram R$ 10 bilhões entre 1997 e 2005 e aumentaram a capacidade de transporte por ferrovia de 19% para 25% do total de cargas movimentadas. Ainda assim, há muito por ser feito. No atual ritmo da economia, o Brasil precisará aumentar a geração de energia elétrica em 40 mil MW em dez anos e terá, ainda, de ampliar as linhas de transmissão ao ritmo de 3 mil quilômetros por ano. O problema é urgente: prevê-se que, já em 2010, haverá déficit no suprimento de energia. No entanto, há 17 projetos de construção de hidrelétricas parados, à espera de licença ambiental ou de outras autorizações burocráticas. A situação dos portos, que beirou a catástrofe nos anos 90, também melhorou, mas não a ponto de responder às necessidades de uma economia com grande potencial exportador. Os portos brasileiros movimentam 40 contêineres por hora. Nos portos europeus, a média é de 120. Em Santos, são necessárias 20 pessoas para movimentar um contêiner. Na Europa são necessárias apenas duas. Este é apenas um resumo dos fatores que formam um quadro muito mais amplo. A lista completa de necessidades é enorme. O Brasil precisa de aeroportos, metrô nas grandes cidades, saneamento básico (53% da população não tem acesso a redes de esgoto), e por aí vai. Todos esses são empreendimentos que devem ser realizados pelo Estado ou, por sua concessão e sob sua fiscalização, pelo setor privado. Mas devem ser feitos, sob pena de travar a economia e prejudicar o seu beneficiário último, que é o cidadão. Admitamos a hipótese de que o governo brasileiro não tem os fundos necessários para a realização de tantas obras. Por que não usar de forma menos tímida a alternativa da concessão? Alternativa que, aliás, é amplamente utilizada nos países de economia avançada? A resposta não é fácil, mas a pista está no passado, quando o Estado foi o realizador das grandes obras e o setor privado um coadjuvante, no máximo. O modelo fez sentido no passado, mas hoje já não é assim. Os governos, de praticamente todos os países, têm orçamentos contidos e destinados a gastos como segurança, saúde e educação pública. É o setor privado quem, por sua vez, tem o capital disponível e a capacidade técnica para construir e gerenciar com qualidade estradas, portos e usinas hidrelétricas. No Brasil, no entanto, ainda se percebe um pesado preconceito em relação à iniciativa privada. E é isto o que tem de mudar. Em vez de afastar o empresário, o Estado deve atraí-lo para que invista na área de infra-estrutura. Sem isto, não conseguiremos manter um bom ritmo de crescimento. kicker: Persiste no Brasil um pesado preconceito contra a iniciativa privada (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) MÁRCIO ARTUR LAURELLI CYPRIANO* - Presidente do Bradesco. Próximo artigo do autor em 20 de junho)