Título: Perigo nas rodovias brasileiras
Autor: Áurea Rangel
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/09/2004, Opinião, p. A-2
Radares não bastam para impedir o aumento dos acidentes nas estradas. Na rotina das rodovias brasileiras, nas quais os acidentes continuam sendo um real problema de saúde pública, os radares deveriam, em tese, ser inibidores do excesso de velocidade, uma das comprovadas causas de colisões, capotamentos e descontrole dos veículos. Por isso, é necessário ir mais a fundo na análise das estatísticas que acabam de ser divulgadas, de que o número de acidentes, nas rodovias paulistas sob concessão da iniciativa privada, subiu 10% no primeiro semestre deste ano em relação a igual período de 2003. Ora, as estradas de São Paulo hoje operadas em regime de terceirização incluem-se entre as mais modernas do País, tanto no tocante à estrutura das pistas quanto à precisão e quantidade de radares.
Opinião lúcida e consensual de especialistas ouvidos nos últimos dias pela imprensa vai ao cerne da questão: as boas condições das estradas estimula a velocidade; e grande parte dos motoristas somente respeita os limites nos trechos nos quais há radares.
Fica muito evidente a limitação desses equipamentos eletrônicos como "fiscais". É preciso levar a sério o recente arroubo do campeão mundial de xadrez, Gary Kasparov: "Não há computador no mundo capaz de me vencer".
Modéstia às favas, o ser humano continua mais astuto, criativo e capaz do que as máquinas, para o bem e para o mal. Claro que os radares são equipamentos importantes como suporte à fiscalização, mas eles não são suficientes.
Considerada a premissa, é preciso alertar para o óbvio esquecido na análise das estatísticas: a necessidade de implementar a fiscalização - mais eficaz e insubstituível - dos policiais rodoviários.
Sua presença ostensiva nas rodovias, não apenas nos feriados prolongados, é essencial para inibir o excesso de velocidade e também cenas explícitas de imprudência, como manobras perigosas, desrespeito ao direito dos demais motoristas, "fechadas" arriscadas, ultrapassagens pela direita e até pelo acostamento e outros gestos ousados de desvalorização da vida.
A Semana Nacional do Trânsito, de 18 a 25 de setembro, deve suscitar ampla discussão sobre o tema. O Código Nacional de Trânsito e a cassação das licenças de motoristas já não são suficientes para combater o problema. Fiscalização, sanções legais, qualidade das pistas, sinalização viária horizontal e vertical adequadas e mais investimentos na educação para o trânsito são itens decisivos para que cada feriado prolongado, como o da Independência e os próximos de 12 de outubro e 2 de novembro, não sejam a redundante crônica de centenas de mortes anunciadas.
Estatísticas de vítimas rodoviárias análogas às de uma guerra civil não podem mais ser toleradas. O problema é antigo, sério e não se resolve apenas com a existência de lei adequada, aporte tecnológico e disponibilidade de melhores materiais de construção e sinalização. É preciso que tudo seja aplicado, acatado, respeitado.
Os radares, por mais eficientes que sejam, não têm a autoridade dos policiais; é ineficaz o Código de Trânsito sem a imputação exemplar das punições previstas em seus dispositivos; de nada adianta a tecnologia e o know-how de ponta hoje disponíveis para a sinalização, se continuam sendo usados produtos do século passado.
Enfim, é preciso tirar o pé do acelerador, colocar a mão na consciência e refletir sobre o absurdo do atentado à vida nas rodovias brasileiras.