Título: A serviço de Deborah, Durval espionou MP
Autor: Campos, Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 23/04/2011, Cidades, p. 21

Presa no Complexo da Polícia Federal (PF) desde a última quarta-feira, sob a acusação de simular insanidade mental, a promotora de Justiça Deborah Guerner é citada em depoimento prestado pelo delator da Operação Caixa de Pandora, Durval Barbosa, como a mentora de suposta espionagem praticada contra um integrante do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Durval afirmou em depoimento que quebrou o sigilo telefônico do promotor Libânio Alves Rodrigues, titular da 2ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep), a pedido de Deborah. Ela teria recebido em mãos extratos de ligações originadas e recebidas por Libânio, com o objetivo de verificar com quem ele mantinha contato no Governo do Distrito Federal (GDF).

Durval contou ter entregue os documentos a Cláudia Marques, que até a crise provocada pela Caixa de Pandora era amiga de Deborah Guerner e exercia, desde a gestão de Joaquim Roriz, cargo de assessora especial do GDF. Durval sempre sustentou que conheceu Deborah Guerner por intermédio de Cláudia Marques. Os extratos de Libânio, segundo Durval, não atenderam às expectativas da promotora e teriam sido rasgados depois da consulta. Não há detalhes sobre como Durval teria quebrado o sigilo do promotor, o que pode configurar crime.

O fato foi descrito por Durval em janeiro de 2010, durante depoimento à então corregedora-geral do MPDFT, Lenir de Azevedo, na sindicância interna que apontou indícios de má conduta funcional praticada por Deborah e pelo então procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bandarra. O relatório da Corregedoria do MPDFT foi avocado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e deu origem ao processo administrativo disciplinar contra os dois promotores.

De acordo com a Corregedoria-Geral do MPDFT, Durval disse que Deborah queria saber se Libânio mantinha contatos diretos com o então deputado distrital Raimundo Ribeiro (PSDB) e com o presidente da Terracap à época, Antônio Gomes.

O episódio incomodou Libânio Rodrigues. Ao prestar depoimento no CNMP nas investigações sobre Bandarra e Deborah, ele fez questão de ressaltar o fato de suas comunicações telefônicas terem sido interceptadas a pedido da colega, segundo relato de Durval. Ao comparecer no conselho, a própria Deborah sugeriu que o caso fosse encaminhado à Procuradoria da República no Distrito Federal. A comissão processante do CNMP decidiu, então, enviar um ofício ao Ministério Público Federal relatando o ocorrido, para providências cabíveis.

Condomínios Na administração de Bandarra, Libânio Rodrigues exerceu o cargo de assessor de Políticas Institucionais e colaborou na elaboração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para a regularização de condomínios. Vários promotores participaram das reuniões até a assinatura do documento, em 2007. Pelo GDF, Ribeiro, como secretário de Justiça e Cidadania, e Antônio Gomes, pela Terracap, eram os principais interlocutores. O acordo estabelecia uma série de exigências ao Executivo, na área ambiental e na defesa do patrimônio público, para que o GDF pudesse promover a venda direta de terrenos em condomínios criados em área pública.

Durante mais de uma década, houve embate entre o Ministério Público e o Executivo sobre a possibilidade de dispensar licitação no processo de legalização dos loteamentos, mas uma solução para a disputa passou a ser aventada com a decretação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da constitucionalidade da Lei 9.296/96, que permite a venda de terrenos da Terracap na bacia do Rio São Bartolomeu, região que abrange principalmente os condomínios do Jardim Botânico. O TAC foi feito para que o GDF pudesse estender os efeitos da lei a todas as áreas públicas ocupadas no Distrito Federal, como as da região de Sobradinho que não estavam contempladas. Antônio Gomes tinha um papel fundamental na discussão. Além de ser presidente da Terracap, a empresa que administra as terras públicas do DF, ele mantinha uma boa relação com promotores por ter integrado a carreira do Ministério Público do DF como procurador até se aposentar.

No depoimento à Corregedoria-Geral do MP, Durval disse ter conhecimento da circulação de um dossiê sobre promotores de Justiça, mas afirmou não saber de nenhuma conduta indevida por parte de outros, além das acusações que fez contra Bandarra e Deborah Guerner. Até a noite de ontem, a promotora permanecia presa na Polícia Federal. Segundo o advogado de Deborah, Pedro Paulo Guerra de Medeiros, ela e o marido, Jorge Guerner, estão sendo bem tratados por policiais federais, embora estejam inconformados pela prisão que consideram ilegal e sem fundamentos.

Mensagens codificadas As investigações promovidas pelo Ministério Público Federal comprovaram a estreita relação entre Durval Barbosa e a promotora Deborah Guerner. De acordo com denúncia apresentada no ano passado à Justiça, os dois criaram diversos codinomes a fim de mascarar e dificultar a compreensão dos diálogos mantidos entre eles. Os códigos mudaram ao decorrer do tempo, sendo que a promotora usou alcunhas como ¿Rapunzel¿ e ¿Missionária¿, enquanto o então secretário de Relações Institucionais era chamado de ¿Gabriel¿ e ¿Pastor¿ (veja quadro ao lado). A religiosidade foi o tema escolhido entre Deborah e Durval para tratar dos assuntos particulares. Em mensagens de texto trocado entre os dois, eles falavam de ¿bíblia¿ e ¿orações¿, que tratariam de dinheiro e informações privilegiadas, além da ¿igreja¿, uma referência à residência da promotora. As conversas ocorreram no segundo semestre de 2008, em meio à Operação Megabyte ¿ que apurou irregularidades nos contratos de informática no DF. Deborah foi denunciada por ter repassado informações privilegiadas a Durval, um dos principais alvos das ações policiais.