Título: Inflação deve ser controlada até 2009
Autor: Bozzo, Claudia
Fonte: Gazeta Mercantil, 09/06/2008, Internacional, p. A12

São Paulo, 9 de Junho de 2008 - O dragão que se acreditava domado abana o rabo. A poderosa inflação, que tantos males causou ao mundo nos anos 1970, porém, pode só chamuscar as economias, pois agora os países empunham suas armas, esperando domar a fera até meados de 2009. "De 2000 a 2007 o mundo apresentou taxas de crescimento muito aceleradas, lideradas pelos países emergentes, e com níveis de inflação muito baixos. No final de 2007, em função dos novos choques no preço de alimentos e no setor de energia, principalmente petróleo e gás natural, houve esse descolamento das taxas de inflação real. Acreditamos que isso só poderá ser controlado novamente a partir de meados de 2009", prevê Mariam Dayoub, estrategista-chefe da Arsenal Investimentos, em entrevista à Gazeta Mercantil. Autora de um estudo sobre a alta global de preços, recomenda "um choque de realidade" sobre a inflação, afirmando que esta é um fenômeno monetário e a solução que a maioria dos países deve adotar é o aumento das taxas de juros. Comparando-se as taxas médias de inflação em 2001-2006 com as taxas de 2007 e dos primeiros meses de 2008, em geral, a aceleração da inflação fica evidente. O fato é ainda mais preocupante em alguns emergentes, como Colômbia, Turquia e Vietnã. "Por um período - acredito que mais breve na História, se comparado com outras épocas - teremos de conviver com essa inflação um pouco mais alta. Por meio de medidas monetárias, seja aumento da taxa de juros, alta dos depósitos compulsórios, valorização da moeda para que as importações fiquem mais baratas ou ajustes na produção de alimentos e de petróleo, acredito que no médio prazo serão resolvidos tais problemas." Uma outra opção é uma política fiscal mais conservadora, comenta Mariam. "No caso do Brasil, o ministro Guido Mantega recentemente afirmou que o Ministério da Fazenda ajudará o Banco Central. Então teremos um aperto monetário mas ao mesmo tempo a Fazenda vai trabalhar para aumentar o superávit primário. Esse aperto fiscal também auxilia no controle mais rápido da inflação." "Pressões inflacionárias e a não-ancoragem das expectativas são desafios-chave de políticas públicas no curto e no médio prazo. Taxas de inflação mais altas são custosas e de difícil controle. Porém, acredita-se que os mercados ainda não levaram em consideração esse fato. Isso parece estar começando a ser revisto por investidores na Ásia emergente", escreve Mariam em estudo da Arsenal. Zimbábue, um case Ela se refere à sugestão do professor Kenneth Rogoff, de que para "fins educacionais", os banqueiros centrais deveriam organizar uma de suas reuniões no Zimbábue (ver matéria abaixo), onde a taxa de inflação estimada para 2007 era de 67.000%. E acrescenta: "Se esse destino de viagem parecer demasiadamente desconfortável, outras opções seriam Argentina, Rússia, Venezuela e Vietnã, com taxas de inflação já nos dois dígitos." Como essa situação será resolvida? "Nesse período, registrou-se um crescimento global muito rápido, com inflação baixa e as políticas monetárias foram afrouxadas no mundo todo em geral. O professor Milton Friedman falava que inflação é sempre, em qualquer lugar, um fenômeno monetário. Então a resposta para esse aumento nas taxas de inflação será o aperto monetário - o aumento nas taxas de juros", diz Mariam. "No Brasil, já começamos com isso, medida que foi bastante criticada, pois dizia-se que o BC estava sendo muito duro no aumento das taxas, mas hoje acredito que as pessoas compreendem a medida e até aplaudem a decisão", comenta ela. Além do Brasil, outros bancos centrais optaram pelo aperto, como o da Indonésia, da Romênia (taxa mais elevada na UE, que está em 9,75%, depois que a inflação se acelerou para a maior alta em dois anos), Coréia do Sul (tem os juros mais elevados em sete anos). Os mercados emergentes em geral tendem a apertar a política monetária com o aumento da taxa de juros. Mas na China, diz Mariam, "pode ser que não haja esse aumento na taxa de juros, pois eles estão mais propensos a elevar o depósito compulsório dos bancos para tirar dinheiro da economia". O caso chinês, segundo Mariam é particular. "O país cresceu muito durante toda essa década e esse crescimento levou a uma migração muito forte dos trabalhadores da zona rural para as zonas urbanas". Essa forte migração para as cidades, combinada com o aumento na renda das pessoas, a adoção de tecnologia mostrando que os ganhos de produtividade estão se esgotando, têm indicado que a partir de agora essas pessoas deixaram de ser apenas produtores e passaram a ser consumidores. Isso tem gerado uma grande pressão sobre preços de produtos agrícolas e energéticos, que ainda têm um controle bastante grande por parte do governo. Na China, a inflação basicamente tem sido levada pelo preço de alimentos. A inflação chinesa, sem incluir alimentos, está na faixa de 3% ao ano, explica Mariam. Com a inclusão dos alimentos, chega a quase 9%. Justamente pela composição dos índices de inflação nos países emergentes, o peso dos alimentos é muito maior. E aqui, entra o preço do combustível, não só no transporte, como também no custo de produção, com defensivos agrícolas e fertilizantes que empregam derivados de petróleo. A China, considerada a grande exportadora de deflação para o mundo, tem mostrado sinais de esgotamento nesse modelo e está na realidade exportando inflação. Embora exista uma tendência a comparar China com Índia, explica Mariam, o caso das duas potências emergentes é muito diferente. "Na Índia, cerca de 70% da população ainda vive nas áreas rurais. Na China, já houve uma queda para cerca de 60%. E no mundo esse número é de 50%. Essa migração para as cidades traz o aumento das pressões inflacionárias para os produtos básicos, explica Mariam. Renda e comida O aumento da renda nos centros urbanos é não é fenômeno apenas chinês. "E quanto menor a renda per capita de um país, maior a elasticidade da renda para produtos alimentares. Por exemplo, nos EUA, se a renda de uma família aumenta em 10%, o consumo de grãos vai crescer 2%. Mas nos países de menor renda, se a família ganha 10% a mais, o consumo de grãos aumentará em torno de 10%. Então, o aumento da renda nessa faixa trará um crescimento no consumo dos produtos básicos, principalmente alimentos", afirma. "As pessoas mudam para as cidades, têm aumento na renda, usam mais o transporte coletivo e também compram mais automóveis, elevando portanto a demanda por combustível", diz Mariam. Para ela, o período atual, com os países emergentes tendo um crescimento tão sustentado trazem um grande alívio para a economia global, principalmente com os Estados Unidos e a Europa desacelerando e enfrentando problemas muitos sérios. "Os emergentes continuam a sustentar a economia global. Essa mudança é muito bem-vinda principalmente nesse período." No caso das commodities agrícolas, além da demanda bastante forte existem outros fatores que influíram nessa expansão atual, explica Mariam, tais como seca, inverno muito rigoroso nos EUA, aumentos no custo de produção, uma correlação com o enfraquecimento do dólar e algumas políticas que países da Ásia adotaram, limitando exportações. "Esse tipo de política mais prejudica que resolve problemas". Como o setor agrícola, mesmo se quisesse, não poderia reagir de imediato a situações como a atual, Mariam afirma que o processo deve se estabilizar só a partir de meados de 2009, com o aumento nas culturas. "O ajuste de produção requer um bom espaço de tempo. Por exemplo, nos EUA a situação ficou clara com esse programa do etanol - extremamente criticado. Houve um aumento brutal no número de usinas e a demanda por milho para a produção do etanol explodiu. Com isso, os produtores deixaram de plantar soja e outras culturas optando pelo milho, devido ao incentivo de preço. A política de subsídios, diz ela, distorce ainda mais os preços, prolonga o sofrimento e evita que o custo real dos produtos seja estabelecido. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 12)()

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