Título: Apesar da vitória na OMC, Rodada Doha não avança
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Fonte: Gazeta Mercantil, 04/06/2008, Editoriais, p. A2

4 de Junho de 2008 - A decisão dos tribunais da Organização Mundial do Comércio (OMC) favorável ao Brasil na disputa sobre os subsídios norte-americanos ao algodão, abrindo possibilidade legal de retaliação, é uma medida que terá repercussão e impactos além dos limites do comércio exterior. Esse julgamento, que levou cinco anos até a decisão final e custou milhões de dólares em advogados internacionais, de fato representa importante marco nas polêmicas disputas na OMC sobre subsídios agrícolas. Tecnicamente, a organização que rege o comércio mundial confirmou em instância máxima que os subsídios americanos são "inconsistentes" em relação às práticas internacionais, solicitando que os programas de ajuda de Washington aos produtores de algodão sejam refeitos para se adequar às normas da OMC. Cauteloso, o Itamaraty ainda não definiu o que fará com essa vitória. A repercussão dessa decisão começa exatamente nesse ponto, a possibilidade de retaliação. Por exemplo, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, pediu que a diplomacia brasileira aja com "rigor" quanto à decisão da OMC, porque o histórico de reações dos Estados Unidos, muitas vezes "aliados à União Européia", demonstra que a pouca disposição de cumprir decisões internacionais quando não são favoráveis aos seus interesses. Em nota, o Itamaraty preferiu outro caminho, comentando apenas a "satisfação" com a decisão. A contida reação do Ministério das Relações Exteriores diz respeito aos procedimentos internos da OMC, uma vez que a condenação do subsídio americano deverá ainda ser analisada pelo órgão de Solução de Controvérsias, que tem um mês para emitir seu relatório. Apenas depois desse trânsito é que a o assunto chega ao painel arbitral, instância que definirá as retaliações cabíveis por parte do Brasil contra os Estados Unidos. É fato que Washington acumula seguidas desobediências às decisões da OMC sobre subsídio ao algodão. No primeiro painel sobre a reclamação brasileira quanto ao algodão, quando os EUA foram condenados em 2005 no âmbito da OMC, foi estipulado um prazo de dois anos para que Washington se adequasse à decisão, obedecendo-a. Como os EUA não cumpriram o prometido, o Brasil voltou ao tribunal produzindo a decisão final, sem possibilidade de apelação. O Brasil mostrou no tribunal que entre 1999 e 2005 os EUA deram aos produtores de algodão subsídios superiores aos autorizados pelas normas internacionais da ordem de US$ 12,5 bilhões. Esse é o ponto mais curioso de todo esse embate: autoridades brasileiras, como as da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, já disseram que o uso da retaliação contra os EUA dependerá do resultado da reunião de ministros no âmbito da Rodada Doha, que deve ocorrer em julho. Segundo essas autoridades do comércio exterior brasileiro, caso os EUA concordem em reduzir subsídios agrícolas para a destravar a Rodada Doha, o Brasil abriria mão do direito de retaliar as posições comerciais americanas. Essa atitude pode deixar em situação de razoável fragilidade os negociadores brasileiros, em especial quando se levam em conta, por exemplo, os resultados da Lei Agrícola que acaba de ser aprovada pelo Congresso norte-americano. A decisão, que prevê ajuda de US$ 290 bilhões para os próximos cinco anos aos agricultores americanos (US$ 45 bilhões só para 2009), garante preço mínimo para vários produtos, além de recursos especiais para soja, trigo e açúcar, além de apoio específico para algodão. É verdade que a lei foi vetada pelo presidente Bush, mas o Congresso, com forte apoio político dos dois partidos, democratas e republicanos, derrubou o veto. É recado óbvio dos limites que devem ser seguidos pelos negociadores americanos no âmbito da Rodada Doha. A partir desse histórico de reações dos congressistas americanos, a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão pediu a efetivação das retaliações a serem autorizadas pela OMC. Pedro de Camargo Neto, secretário do Ministério da Agricultura quando o Brasil abriu o primeiro contencioso do algodão na OMC, em 2003, alertou que houve "leniência do governo brasileiro ao acreditar que o problema seria resolvido na Rodada Doha". Esse risco, que produz sério erro de análise, pode ser repetido. Há duas semanas, o Itamaraty tratou com certo otimismo a reabertura das negociações na Rodada; tudo indica, no entanto, que as negociações não avançaram, exatamente porque EUA e Europa não aceitam reduzir subsídios agrícolas. Esses fatos sugerem que pautas muito específicas de negociação na Rodada Doha não satisfazem interesses brasileiros, porque os países ricos nada cedem nessas negociações. Até mesmo quando esses interesses ganham a sustentação de uma vitória nos tribunais arbitrais da OMC. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 04/06/2008 12:52