Título: Desmatamento coloca países transamazônicos em alerta
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Fonte: Gazeta Mercantil, 04/06/2008, Nacional, p. A7
São José dos Campos (SP), 4 de Junho de 2008 - Em meio a uma das piores crises ambientais das últimas três décadas, período em que o desmatamento da floresta amazônica entrou na pauta mundial, não só o governo brasileiro se prepara para enfrentar o recrudescimento do discurso de internacionalização da região. Os outros sete países do complexo ambiental denominado Panamazônia correm para controlar suas áreas dentro da maior floresta tropical do planeta, erroneamente conhecida como "pulmão do mundo" ¿ de acordo com os mais recentes estudos científicos. Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltar a soberania brasileira sobre 60% da Amazônia, a parte situada em território nacional, as pressões estão cada vez maiores e alicerçadas nos próprios estudos dos institutos científicos brasileiros e no vasto material disponível nos centros de pesquisa do exterior. A divulgação pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de que a porção brasileira da Amazônia perdeu 1.123 quilômetros quadrados de floresta somente no mês de abril pode evocar, mais uma vez, o ímpeto de tornar todo o bioma, que concentra o maior manancial de água doce continental do planeta, numa reserva global. O problema mais grave neste último balanço foi ter se constatado que o desmatamento vem convergindo para o eixo central da floresta. Os estados que mais registraram áreas desmatadas foram Mato Grosso, com 794 km; Roraima com 285 km; e Rondônia com 35 km. Esse rumo tomado, vindo tanto do sul como do norte para as bordas da floresta alagada não era aguardado pela comunidade científica. Um dos motivos de espanto é que grande parte das pesquisas sobre a região é oriunda da regiões Sudeste. E ainda assim é muito pouco quando comparado com o volume total de estudos. Segundo levantamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, apenas 10% das pesquisas realizadas na Amazônia são de entidades e organizações nacionais e contam com financiamento brasileiro. Embora o Ministério da Educação tenha conseguido ampliar o quadro de doutores na região, na tentativa de triplicá-lo até 2010, as diferenças são gritantes se comparadas com o Sudeste e Sul do País. Enquanto a Universidade de São Paulo (USP) tem 5 mil doutores, os nove estados da Amazônia estão aproximadamente com 3,5 mil doutorados, sendo que menos de 1,5 mil deles atuam em pesquisas. O Nobel da Paz e hoje um dos ícones do movimento ambientalista, Al Gore, já chegou a afirmar que a região pertence ao mundo e não ao Brasil. Embora rechaçada pelas autoridades brasileiras, pelo menos no campo científico o ex-vice presidente norte-americano tem toda razão. E essa não é uma exclusividade do Brasil, mas de todos os países amazônicos. Basta dizer que 90% da produção científica da região é desenvolvida ou financiada por fundações, institutos, empresas privadas e organizações principalmente da Europa, Japão e Estados Unidos. Isto levou o presidente da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência, Marco Antonio Raupp, a alertar que soberania se alcança também pelo conhecimento. Sistema único de defesa O movimento para transformar a Amazônia num território de domínio mundial, como o continente Antártico, teve sua origem mais recente na Inglaterra. Atualmente conta com a aprovação mais incisiva da Alemanha, dos Países Baixos e da França, mesmo sem o governo francês esclarecer a comunidade científica mundial sobre os motivos pelos quais sua colônia amazônica, a Guiana Francesa, detém proporcionalmente um dos maiores índices de desmatamento no espectro florestal. A mobilização pela manutenção da soberania amazônica deu um passo significativo em meados de 2006 quando os ministérios da Defesa dos oito países do complexo de 7 milhões de km se reuniram em Bogotá, Colômbia, para tratar pela primeira vez de uma estratégia única para assegurar a supremacia sobre seus territórios. Sob a custódia da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela elaboram um sistema único de defesa. O avião de ataque leve da Embraer, o SuperTucano, desenvolvido para ser utilizado no patrulhamento da Amazônia, foi eleito como a principal arma para vistoriar o imenso espaço aéreo regional. Esse turboélice, de alta performance em manobras e totalmente climatizado para o calor e umidade em altos níveis, já é usado pelas forças aéreas do Brasil, Colômbia e agora o Equador pretende adquirir 56 destas aeronaves, que é equipado com metralhadoras, foguetes e o míssil brasileiro Piranha. Os Estados Unidos vetaram a aquisição destes aparelhos pela Venezuela, criando um mal-estar diplomático em todo Cone Sul. Assim que a pasta da Defesa foi assumida por Nelson Jobim, ele partiu para expandir o círculo de ação e criar o Conselho Regional de Defesa, que já conta com o apoio dos países membros da OTCA, além de Argentina, Chile e em breve Paraguai e Uruguai. Para Jobim, a América do Sul precisa ter "poderio militar para conquistar influência no mundo", no que ele classifica como "forças dissuasivas". Novo modelo Tido como o mais conceituado cientista brasileiro integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e presidente do Programa Internacional de Geosfera-Biosfera, Carlos Nobre acha que a internacionalização parece improvável. "Maior risco a Amazônia correria se, por acaso, descobrissem imensas reservas petrolíferas naquela região", disse. "Quando se analisa a situação presente, não há dúvida de que o desenvolvimento segue uma trajetória insustentável, e não somente na Amazônia. Querer ser o primeiro país tropical plenamente desenvolvido pode parecer uma utopia irrealizável", pondera Carlos Nobre. Nas perspectivas do cientista, o Brasil reúne condições básicas para atingir o patamar de país desenvolvido sendo reconhecido por sua natureza tropical, abundância de recursos naturais renováveis e uma vasta riqueza de diversidade biológica, étnica e cultural. "Temos que sonhar em tornarmos o Brasil o primeiro país tropical desenvolvido, inventando um novo modelo de desenvolvimento, pois não há de onde copiar, e a partir daí, transferirmos este modelo para os demais países tropicais. É este o papel que devemos querer para o nosso futuro", diz o cientista. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 7)(Julio Ottoboni)
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