Título: Câmbio deflacionado chega em R$ 0,84 e deve cair mais
Autor: Carvalho, Jiane
Fonte: Gazeta Mercantil, 05/06/2008, Finanças, p. B1

São Paulo, 5 de Junho de 2008 - O movimento de perda de valor do dólar, reforçado com mais uma elevação na taxa Selic ontem, pode levar a cotação da moeda para algo próximo de R$ 1,50 no curto prazo. Detentor do posto de maior juro real do mundo, agora a 7,12%, o País ao elevar novamente a taxa básica cria um estímulo adicional às operações de arbitragem que valorizam a moeda local em detrimento do dólar. Embora a cotação baixa já reduza o saldo líquido de dólares que ingressam no Brasil, fruto da queda do saldo comercial e do aumento das remessas de lucros e dividendos ao exterior, isto não é suficiente para interromper a trajetória de derrocada da moeda. O dólar cai sistematicamente frente ao real desde 2003 e caminha para fechar 2008 com novo recuo, reforçado agora com a perspectiva de novos aumentos na Selic ao longo do ano. Os juros reais elevados são apontados como determinantes na valorização do real. O dólar comercial, negociado ontem a R$1,63, é o menor em termos nominais desde 18 de janeiro de 1999, poucos dias depois do fim do regime de câmbio fixo. Já o câmbio real, deflacionado pelo IPCA acumulado entre 1999 e maio deste ano (91,79%), é de apenas R$ 0,8494. A tendência é de um nível ainda mais baixo nos próximos meses. "O real se valoriza basicamente de duas formas, com as elevações na Selic promovidas pelo BC, para conter a inflação, e via exportações, que devem crescer por conta do preço elevado das commodities", avalia Roberto Padovani, economista-chefe do banco WestLB. "A combinação de uma economia com juros elevados como a nossa e de baixo risco para o investidor estrangeiro é determinante na atração de dólares que derrubam a cotação." O economista-chefe da corretora Liquidez, Marcelo Voss, lembra que as operações de arbitragem serão incentivadas com a tendência de um aperto monetário mais longo no País. "Não há nada que bata um juro real próximo a 7% e o investidor vai continuar ganhando com a taxa praticada no Brasil", diz. A arbitragem mais comum é o chamado "carry trade", quando investidores tomam emprestados no exterior, muitas vezes em países com taxa zero ou negativa como o Japão, e aplicam em renda fixa no Brasil, com baixo risco. "Acredito que exista um piso de resistência para a queda do dólar, talvez R$ 1,55, mas ele é mais psicológico do que concreto, não há neste momento fatores de sustentação para o dólar", afirma Voss. Graças ao juro real elevado, os efeitos da queda na cotação do dólar nos últimos anos não conseguem reverter a tendência de baixa. O saldo comercial - diferença entre exportações e importações - após subir seis anos seguidos, entre 2000 e 2006, caiu 13,8% no ano passado e mantém sua trajetória de redução este ano. O dólar baixo também estimula a remessa de lucro e dividendos ao exterior, cujo crescimento no primeiro trimestre foi de 118% sobre igual período de 2007. Ainda assim, neste ano o dólar já acumula baixa de 7,75% ao ano. Desaceleração Embora haja consenso quanto à tendência de queda na cotação, analistas vêm sinais de uma desaceleração deste movimento no segundo semestre. A expectativa dos analistas ouvidos pelo Relatório de Mercado do BC, por exemplo, estima um dólar a R$ 1,70 no final do ano, uma queda relativamente discreta, de 3,95% no ano, quando comparada à baixa de 16,80% em 2007. A deterioração da conta-corrente é um dos fatores que deve ajudar, no segundo semestre, a conter uma queda maior do dólar. "Eu acredito em mais três ou quatro meses de desvalorização do dólar frente ao real, depois a deterioração muito rápida da conta-corrente irá segurar o preço da moeda", avalia Paulo Galla, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Só em março, o déficit da conta-corrente foi de US$ 4,43 bilhões. Para 2008, a expectativa é que esse déficit fique entre 1,5% e 2% do PIB. "Existe um limite para o ingresso de capital estrangeiro, que financia este déficit, e a partir de um certo nível isso tende a reverter, o que ajudará o dólar." Quanto maior o déficit em conta-corrente, maior a necessidade de financiamento externo do País, o que é conseguido, em parte, pelos juros internos elevados que atraem capital. No entanto, isso leva o País a acumular dívida externa, o que alimenta a dúvida, entre os investidores, sobre os limites de endividamento do País. Eles passam a exigir prêmios maiores. No limite, restringem o financiamento, redu-zindo a participação da dívida no seu portfólio. "Isso levará a uma aumento da demanda interna por dólar, o que ajuda a cotação. O problema é que este efeito da deterioração da conta-corrente é defasado e só deve ocorrer no final do ano ou em 2009", diz Voss, da Liquidez. Padovani, do banco WestLB, aponta, além da deterioração da conta-corrente, outro fator que deve segurar a queda do dólar: as incertezas menores sobre a economia americana. "O mercado está consolidando a idéia de que a recessão nos Estados Unidos será suave, o que faz o Fed voltar suas atenções para a inflação." "O BC americano deve voltar a subir o juro, as taxas futuras já estimam a volta do aperto monetário", afirma. O rendimento do treasury de dez anos, lembra Padovani, já é superior a 4%. Hoje, o juro americano está em 2%. "O dólar vai ganhar espaço lá fora, o que ajudará a cotação aqui frente ao real." Para o economista, o dólar fecha 2008 a R$ 1,60, com queda 9,6% sobre 2007. Ver também pág. B2 (Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 1)()