Título: Política monetária mantém estabilidade
Autor: Dantas, Cláudia
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/06/2008, Nacional, p. A8

Rio, 16 de Junho de 2008 - No período em que esteve no governo, o ex-ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, viu o índice de inflação bater nos 80% ao mês. Ao analisar o quadro atual, o economista garante que o fantasma da inflação não voltará mais a assombrar os brasileiros. Para o ex-ministro, a estabilidade econômica é um fato e mudou a mentalidade da sociedade, acostumada a tolerar correções inflacionárias. Nóbrega considera que a política monetária conduzida pelo Banco Central (BC) levou o país a conquistar um avanço institucional importante. Esta percepção positiva resultou na concessão da classificação grau de investimento pelas agências Standard & Poor""s e Fitch Ratings. No entanto, considera que o aumento da taxa de juros deverá afetar crescimento econômico a partir do ano que vem. O economista Maílson da Nóbrega foi ministro da Fazenda no período 1988 a 1990, depois de longa carreira no Banco do Brasil e no setor público. Atualmente é sócio da Tendências Consultoria, empresa de consultoria econômica e política. Gazeta Mercantil - Quais serão as consequências da elevação da taxa básica de juros? Ela poderá deteriorar as expectativas do mercado? A conseqüência prática do aumento da Selic é a desaceleração da atividade econômica e isso será mais sentido no fim do ano e na maior parte de 2009. O objetivo é situar esse índice da economia de forma compatível com a capacidade produtiva, ou seja, o potencial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Na Tendências Consultoria, calculamos uma taxa de crescimento de 4,9% este ano. Crescer a 4,9% é um percentual polêmico, porque significa criação de desequilíbrio, seja do lado da inflação, seja do lado da balança de pagamentos. O que vemos hoje é uma forte pressão inflacionária sugerida por uma demanda aquecida, provocada não só pelo aumento do preço das commodities no exterior, mas também pela alta das importações. A política monetária busca conter o desaquecimento para que a economia volte a um ritmo sustentável. Gazeta Mercantil - Os empresários serão afetados por uma reversão de expectativas? Acho muito difícil que se produza uma reversão do ânimo dos empresários para investimentos, porque a economia continuará crescendo a um ritmo substancial para os padrões recentes do Brasil, além de o governo criar os incentivos de mercado para as empresas continuarem investindo. Hoje, o ritmo de investimentos continua muito alto, da ordem de 15%, é quase o triplo do crescimento da economia brasileira. O efeito maior do ciclo de ajustes da taxa de juros deve ser sentido em 2009, por causa da defasagem entre a política monetária e a economia. Gazeta Mercantil - Haverá efeito direto sobre a taxa de crescimento do país? Sim, de fato trata-se de uma ação preventiva, saudável, que provocará a desacelaração da economia brasileira para que ela cresça num ritmo sustentável. Do contrário, se a política monetária cedesse às pressões, o custo do ajuste seria maior. Gazeta Mercantil - O consumo das famílias também será afetado pelo aumento da Selic? Com certeza. A política monetária afetará diversos componentes do PIB pelo lado da demanda, como o consumo das famílias e, mais à frente, os investimentos. O que não depende de controle do BC, mas sim de uma ação do governo é a redução dos gastos públicos. Estes continuam crescendo a um ritmo superior à economia, o que obriga o BC a ter uma atuação mais firme. Gazeta Mercantil - O presidente Lula solicitou que o controle da inflação não ficasse restrito apenas ao aumento da taxa Selic. A taxa de juros é o instrumento mais eficaz de controle da demanda e ação sobre as pressões inflacionárias. O ideal seria uma dobradinha entre a política monetária e a política fiscal, e é isso que o governo está tentando fazer com o aumento do superávit primário. Mas para a área fiscal contribuir para a estabilidade da moeda e o cumprimento das metas de inflação, seria necessário que o governo cortasse gastos e não simplesmente deixasse de fazer despesas com excedente de arrecadação. O discurso do presidente é apenas para consumo doméstico, Lula tem demonstrado capacidade de perceber o papel da política monetária para a estabilidade da moeda e de entender que a estabilidade da moeda está intimamente relacionada à popularidade. Gazeta Mercantil - A que o senhor se refere? À inflação, porque ela afeta essencialmente o bolso dos pobres, e os pobres não elegem quem deixa a inflação sair do controle, e isso o Lula aprendeu. Mais do que isso, o presidente aprendeu que existe uma relação entre a ação do BC e a preservação do controle da inflação. Por isso não acredito na fala do presidente, de que Lula vá interferir na ação do Copom. Ao contrário, desde o mandato de Fernando Henrique Cardoso que o BC tem plena autonomia para gerir a política monetária do país. Gazeta Mercantil - Como o senhor avalia a busca do BC pelo centro da meta da inflação? No regime de metas da inflação, o BC está sempre mirando a meta. O intervalo de dois dígitos para cima ou para baixo é para acomodar efeitos inesperados, um eventual choque. O presidente criou uma boa metáfora para explicar porquê o BC tem de perseguir o centro da meta: um atirador quando pratica tiro-ao-alvo, sempre mira o alvo, mas se a trajetória da bala não o atingir, o próximo tiro dele tem de ser, de novo, certeiro no alvo. Isso já aconteceu outras vezes, durante a crise de confiança de 2002, perto da eleição presidencial de Lula, a meta de inflação foi revista. Gazeta Mercantil - Pode-se dizer que a taxa de inflação atual é controlável? Ninguém pode ter dúvidas disso. Por várias razões. O Brasil se tornou uma sociedade intolerante com a inflação. O pobre, que mais sofria com o processo inflacionário, aprendeu a lidar com isso, as pesquisas de opinião mostram que o presidente perde popularidade quando a inflação sobe. A população carente e até analfabetos aprenderam a usar o direito do voto. Além disso, o Brasil tem hoje um BC autônomo, com mandato claro para defender a estabilidade da moeda e muito capaz para agir preventivamente, e finalmente, a instituição do regime de metas de inflação significou um passo adicional na melhoria desse am-biente pró-estabilização. Gazeta Mercantil - Existem outras maneiras de controlar a inflação, além do aumento da Selic? Não. Só se voltássemos ao passado, quando o governo fazia uso de vários mecanismos para controlar a inflação. Éramos uma economia fechada, o grau de concorrência era muito baixo, inovação quase nenhuma. O BC era um banco de fomento, mais que um guardião da moeda, financiava exportações, agricultura e o governo usava um arsenal de instrumentos pouco ortodoxos para conter a inflação. Controlava a indústria, havia um setor específico para fiscalizar os preços, existia um imposto de exportação para inibir a venda externa de certos produtos, o governo importava diretamente feijão e arroz, criava restrições ao crédito, havia limitações no financiamento ao consumidor e no número de prestações. Mas esse arsenal não faria efeito nenhum hoje. Gazeta Mercantil - Quais fatores inibem este efeito? A economia brasileira mudou, é uma economia estável, aberta, e por isso passamos a ser cada vez mais uma economia muito parecida com a de países desenvolvidos, na qual a política monetária tem papel relevante de manter a estabilidade dos preços. Gazeta Mercantil - A política do BC ganha relevância no contexto do país? Sim, nesse conjunto de mudanças institucionais, nas crenças da sociedade em relação à inflação, em atenção às normas que balizam a atuação do BC, criou-se um ambiente que restringe a ação voluntarista dos governantes. Embora o presidente da República tenha autoridade para determinar a redução da taxa de juros ou desvalorizar o câmbio, isto seria percebido como uma ação irresponsável e golpista, e o presidente Lula já percebeu o custo dessa ordem. Em resumo, o Brasil já atingiu um grau de avanço institucional que coloca o governo sob duas vertentes: a percepção de como o mercado pode reagir em relação às decisões do BC constitui uma restrição à adoção de políticas responsáveis. Por outro lado, a irresponsabilidade significa perder a eleição. Este é um avanço histórico muito grande, que tem como pano de fundo, a consolidação do processo democrático. Gazeta Mercantil - O PIB fechou em 5,8% no primeiro trimestre do ano. Até que ponto os juros altos podem afetar o crescimento? O que se nota é uma pequena desaceleração do ritmo de crescimento do PIB na margem. O primeiro semestre em relação ao quarto trimestre, o PIB cresceu 0,7%. Tinha crescido 1,6% no quarto trimestre em comparação com o terceiro trimestre de 2007. Quando se compara trimestre a semestre, no caso o quarto trimestre com o primeiro semestre de 2007, os 12 meses terminados no quarto trimestre do ano passado, a economia cresceu 5,4%. Já os 12 meses terminados nos três primeiros meses de 2008, o país ainda está crescendo 5,8%. No entanto, fica claro que ele começa a desacelerar, e provavelmente essa desaceleração vai perdurar. Por isso, na Tendências, projetamos crescimento de 4,9% para este ano, e em 2009, quando os efeitos do aumento de juros serão mais sentidos, prevemos 4,1%. Gazeta Mercantil - O senhor considera boas estas projeções de crescimento? Sim, os dois resultados são de crescimento robusto. Vale lembrar que a taxa de crescimento anual do Brasil, na década de 90, era pouco mais de 2%. Para este padrão, 4% é um bom percentual, um pouco abaixo da taxa atual, porque é fruto do ajuste. Gazeta Mercantil - Nem se compara ao patamar chinês de crescimento. O país jamais vai voltar a crescer ao nível que se observou nos anos de 1968 até 1973. A taxa média de crescimento era de 11,1% ao ano, crescemos a um ritmo chinês. Mas a realidade daquela época era a experiência chinesa de hoje, grande fase de mudanças estruturais e institucionais e uma forte migração do campo-cidade. Nos países que experimentam esse fenômeno, observa-se também um grande ganho de produtividade. O Brasil, nesse sentido, já é uma economia madura, não vai haver mais a migração de campo-cidade como no passado. É um tipo de economia que pode até crescer mais de 4,5%, dependendo das reformas, mas nada no patamar de 9%, 10%. Gazeta Mercantil - Então o que precisa ser feito para o país crescer mais? Eu acredito que se o país enveredasse em um amplo programa de reformas, com a retomada da privatização, uma reforma tributária digna desse nome, uma reforma que mude estruturalmente o gasto fiscal, um esforço adicional de educação, tudo isso vai contribuir para um aumento da produtividade e para elevação do potencial de crescimento. Podemos chegar a 6%, mas jamais ao patamar atual da China. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 8)()