Título: BNDES mudou regras na negociação da VarigLog
Autor: Magnavita, Cláudio
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/06/2008, Politica, p. A10

Rio de Janeiro, 16 de Junho de 2008 - O levantamento da história de negociação da VarigLog, que hoje coloca sob suspeita a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, revela o envolvimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na transação em 2005, quando era presidido por Guido Mantega. A operação do banco foi a mais concreta participação do governo federal em benefício do fundo norte-americano Matlin Patterson, que agora briga na Justiça com os sócios brasileiros. A mudança do perfil das condições de venda da VarigLog, ocorrida de forma unilateral pelo BNDES depois de uma apresentação oficial na Assembléia de Credores do processo de recuperação judicial da Varig, em 26 de outubro de 2005, levou o fundo a ter um lucro milionário na aquisição da VarigLog. Uma das condições apresentadas pela instituição e aprovada em votação no próprio dia 26 foi a realização de um due dillegence, com prazo máximo de 90 dias, nas duas empresas que estavam sendo alienadas: a Varig Logística (VarigLog) e Varig Engenharia e Manutenção (VEM). No comunicado assinado pela diretoria do banco, em 19 de outubro de 2005 (uma semana antes da assembléia), as regras do jogo foram estabelecidas e nelas constavam vários compromissos que foram mudados abruptamente para favorecer os compradores. Isso causou prejuízo aos acionistas e principalmente aos credores, pois permitiram a venda dos dois principais ativos da Varig por um preço muito inferior ao seu valor real. "Foi um verdadeiro escândalo", disse César Curi, presidente do Conselho de Curadores da Fundação Ruben Berta. "Passamos, em menos de uma semana, da euforia de uma posição transparente da presença do Governo em uma solução que resolveria o problema de toda a Varig, sem envolver dinheiro público, para uma negociata que acabou alienando os dois maiores patrimônios do grupo por 20% do seu real valor", relembra. Para Curi, essa foi uma das maiores negociatas ocorridas no Governo Lula, que teve como responsável direto o hoje ministro da Fazenda, Guido Mantega, então presidente do BNDES, que recebeu da Presidência da República e do então Ministro da Defesa e vice-presidente, José Alencar, o mandato para buscar uma solução de mercado, onde o banco entraria para dar credibilidade e atrair investidores. A VarigLog e a VEM foram entregues para barrar uma ação na Justiça dos EUA que promovia o arresto das aeronaves da empresa e isso provocou o colapso em definitivo da companhia aérea. O fundo Matlin Patterson, comprador da VarigLog, e a AeroLB, compradora da VEM, levaram as empresas por um valor definitivo de US$ 62 milhões, muito abaixo da avaliação da consultoria Ernst & Young. Na proposta original, esse seria apenas o preço inicial. Em 90 dias, depois de uma avaliação isenta através da due dilligence, o total estimado seria também financiado pelo BNDES, que ficaria com dois terços de participação e o restante com os investidores. O banco previa também, como está no seu comunicado assinado pela diretoria, que "a criação de uma Sociedade de Propósito Específico com a finalidade de adquirir as ações representativas do capital das empresas VarigLog e VEM". No item 2; "a concessão de apoio financeiro a investidores que assumam o controle da SPE referida na letra `a¿ , e que se qualifiquem a receber crédito do BNDES, no montante de 2/3 do valor da aquisição das ações da VarigLog e VEM". Já o item 3 apresenta duas maneiras para o apoio financeiro: "Na primeira fase, serão concedidos recursos em montante suficiente para que, somados às parcelas dos investidores, alcancem o mínimo de US$ 62 milhões, necessários a pagar os lessors." Na segunda: "concomitantemente, será realizada uma due dilligence, no prazo máximo de 90 dias, nas duas empresas ¿ VarigLog e VEM - de forma a se obter um preciso valor das companhias. Caso o valor obtido ao final da due dilligence seja superior ao indicado no item ´`c1¿, o BNDES se disporá a aportar os recursos adicionais necessários, sempre mantida a proporção 1/3 dos investidores a 2/3 do BNDES." Estava previsto o endereço certo para os que seriam destinados a pagar imediatamente as empresas arrendadoras dos aviões. Como contrapartida, a Varig transferiria para a SPE a titularidade de todas as ações representativas do capital social da VarigLog e da VEM, de forma livres e desembaraçadas, rezava a nota da diretoria do BNDES. A nota serviu como termo de compromisso, assim como a presença na assembléia de Sérgio Varella, assessor de Mantega. Varella afirmou que "esse foi um trabalho de equipe, portanto gostaria de apresentar o pessoal que me acompanha e me ajudará nesta explanação: a Dra. Fátima Farah, advogada do BNDES; o Dr. Renato Martins, da área de mercado de capitais; o Dr. Fernando Rish, também da área de mercado de capitais. E eu, como vocês sabem, sou assessor do presidente Guido Mantega, em nome do qual estou aqui". Sérgio Varella, na mesma assembléia, confirmou o aval que recebeu do alto escalão da República. O que Varella não poderia imaginar é que uma semana depois da adrenalina que as suas palavras dispararam naquela assembléia, gerando euforia, transformaria-se em uma terrível frustração e, ainda mais grave, promoveria a venda aviltada de patrimônio da Varig para capitais estrangeiros, por uma parte irrisória do preço real, beneficiando principalmente o fundo Matlin Patterson, que se apresentava como salvador da Varig. Falando em nome de Mantega, o assessor da presidência do banco ainda prometeu a participação da instituição financeira no fundo de investimentos, afirmando: "a SPE comprará as empresas VarigLog e VEM por um valor inicial de, no mínimo, US$ 62 milhões a serem aportados por um FIP (Fundo de Investimentos em Participações). No linguajar financeiro, isso tem o nome de private equity, formado pelos investidores e pelo BNDES. A SPE terá uma opção de compra irretratável e irrevogável contra a Varig para aquisição da VarigLog tão logo aprovada pelo DAC". O BNDES se recusa explicar a sua mudança de posição, limitando-se a emitir uma nota seca. "A posição do BNDES no processo de venda da VarigLog e da VEM sempre foi a de apoiar o possível comprador, desde que fossem cumpridas todas as regras e procedimentos legais, conforme exigido em qualquer operação realizada pelo banco, entre elas a apresentação de garantias. As decisões do BNDES tiveram como base a análise estritamente técnica da operação. Foi neste contexto que o banco apoiou o Aero-LB, cuja constituição foi previamente aprovada pelo DAC". (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 10)(