Título: Diagnóstico correto, mas terapia equivocada
Autor: Cintra, Marcos
Fonte: Gazeta Mercantil, 19/06/2008, Opinião, p. A3

19 de Junho de 2008 - Recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), "Justiça Tributária: Iniqüidades e Desafios", registra que a renda brasileira continua fortemente concentrada e que o sistema tributário brasileiro possui características altamente regressivas. São verdades incontestáveis. Contudo, os autores propõem remédios errados. O trabalho pressupõe que a causa eficiente desses desequilíbrios distributivos acha-se em grande parte na estrutura tributária brasileira, composta majoritariamente de tributos indiretos, alegadamente mais regressivos que os tributos diretos. Com base nisso, propõem como terapia curativa a eliminação de alguns tributos indiretos, como a Cofins. Para compensar a perda de arrecadação, os autores propõem uma marcha a ré histórica: aumentar o número de faixas de alíquotas do Imposto de Renda (IR) da pessoa física, de três atualmente existentes para doze. Segundo a proposta, a desoneração dos tributos indiretos garantiria menor tributação para os pobres e o aumento da progressividade do Imposto de Renda das pessoas físicas aumentaria a carga tributária das famílias mais ricas, permitindo erradicar parte da pobreza que assola o País. O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, surpreendentemente, justifica a proposta dizendo: "Isso não é novo no Brasil, durante o período militar o País tinha 12 faixas de tributação". O estudo apresentado para sustentar tais conclusões mostra, contraditoriamente, uma realidade diferente daquela descrita pelos técnicos do Ipea. Em primeiro lugar fica claro na pesquisa que o sistema tributário brasileiro é regressivo em sua incidência pessoal, mas progressivo em sua incidência regional. Por exemplo, 65% da arrecadação ocorre na região mais rica do País, o Sudeste, e apenas 12 % na soma das regiões Norte e Nordeste. Tal tendência vem se acentuando ao longo do tempo. Outra constatação que enfraquece a conclusão da proposta do Ipea é a demonstração de que a participação dos tributos indiretos na carga tributária estacionou nos mesmos patamares de 2001 (entre 14% e 14,5% do PIB), ao passo que a participação dos tributos diretos passou de menos de 9% em 2002-03 para quase 10,5% em 2007. Segundo o estudo, "o crescimento da carga (tributária) no período 1995-2007 foi de 8,5% do PIB, dos quais 1,6% foram impostos indiretos, 1,8% foram contribuições previdenciárias e 5% foram impostos sobre a renda, a propriedade e o patrimônio (impostos diretos)". Nesse sentido, a conclusão correta é a de que o quadro tributário já vem se ajustando de acordo com as expectativas dos autores, tornando desnecessárias alterações radicais como as propostas pelo estudo. Ademais, o trabalho do Ipea demonstra cabalmente que as contribuições previdenciárias vêm sofrendo significativa elevação, quase monotônica, ao longo dos últimos 12 anos. Estas, sim, são essencialmente regressivas por incidirem sobre os rendimentos do trabalho, que no Brasil absorvem uma parcela relativamente pequena da renda nacional. No entanto, não são objeto de propostas de contenção, ou de desoneração da folha de salários das empresas, como seria de esperar. Contudo, o mais surpreendente no estudo do Ipea são as políticas preconizadas, que contrariam frontalmente algumas importantes tendências verificadas internacionalmente no debate tributário moderno. Por exemplo, Larry Kotlikoff, da Universidade de Boston, usando modelagem de ciclo de vida na avaliação de eqüidade tributária, afirma "é hora de parar de tributar renda para tributar consumo... a visão de que tributos sobre o consumo são regressivos é simplesmente errada. Tributar consumo equivale a tributar salários e tributar riqueza". Outras instituições, como o Institute for Policy Innovation, advogam, por questões de custo e eficiência, a substituição de impostos sobre renda e patrimônio por impostos sobre o consumo. Jeffrey Owens, diretor da OCDE afirma que "a maioria das reformas (tributárias) tenta mudar a ênfase dos impostos sobre a renda e sobre lucros para o consumo", como comprovado pela adoção dos modelos "flat tax" em vários países europeus e pela queda na participação relativa dos impostos diretos na maioria dos países desenvolvidos. O estudo do Ipea anacronicamente preconiza o inverso, retomando fórmulas ultrapassadas, datadas de meados do século passado. kicker: Estudo preconiza fórmulas ultrapassadas para corrigir desigualdades (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) MARCOS CINTRA* - Professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas. Próximo artigo do autor em 6 de agosto)

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