Título: BC pode matar ciclo de crescimento
Autor: Monteiro, Viviane
Fonte: Gazeta Mercantil, 23/06/2008, Nacional, p. A6

Brasília, 23 de Junho de 2008 - O Banco Central está errando a mão em elevar taxa Selic para conter a pressão inflacionária que tem sua origem principalmente no mercado internacional na opinião do presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann. Em entrevista à Gazeta Mercantil, ele afirma que o mercado atravessa um período de inflação de custo, contaminada pelo mercado externo. Pochmann reforça que a elevação dos preços no País não é influenciada pelo desequilíbrio entre a oferta e a procura por produtos na praça. "Eu acho que grande parte da inflação é importada e está contaminando o mundo inteiro desde o ano passado. Ela é mais de custo do que de demanda", disse. Por se tratar de uma inflação de custo, o aumento do juro não é o melhor instrumento para enfrentá-la. Neste caso, diz Pochmann, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a redução da carga tributária e uma reforma agrícola, para aumentar a produção de grãos são as medidas mais acertadas. "Se existissem estoques reguladores e preços mínimos agrícolas certamente não existiriam problemas de aumento de preços (de alimentos) no Brasil", afirma. Gazeta Mercantil - O Brasil pode pagar caro com a volta do aperto monetário? O Banco Central pode matar um ciclo de crescimento vigoroso que se desenha para a economia brasileira. Há 40 meses os investimentos crescem acima da produção. É o ciclo de expansão mais saudável da economia brasileira, sustentado pelo investimento produtivo, que reflete em aumento da capacidade produtiva, inovação tecnológica e geração de emprego com melhor qualidade. Este ciclo de crescimento econômico vigoroso pode ser abortado pela política monetária, pela terceira vez, na história do País. Tivemos um aborto (na implantação) no Plano Real (1999) e outro entre 2003 e 2006. Não sabemos o tempo que durará o aperto monetário e o patamar a ser atingindo. Mas, certamente, o aumento do juro começa a se movimentar na contramão dos investimentos que não devem permanecer diante da alta do juro. E quanto maior é mais prolongado é o ciclo de duração, maior é o problema pois os recursos financeiros que poderiam ser aplicados na produção devem ser desviados para as aplicações financeiras (ações ou títulos públicos), já que os capitalistas têm preferência por liquidez de investimento. Gazeta Mercantil - Diante do aumento do juro, a economia brasileira conseguirá crescer 5% este ano e se manter até 2010 como estima o governo? O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou, em seu segundo mandato, um conjunto de ações que permitem ao País crescer acima de 5% anuais. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é uma medida que apóia o crescimento sustentado do ponto de vista dos investimentos em infra-estrutura e em energia. Há o plano de desenvolvimento da educação pelo qual a mão-de-obra será preparada para dar conta da nova demanda por empregos. Além do programa de incentivo à saúde e ao setor produtivo farmacêutico. Mais recentemente, o governo anunciou a política de desenvolvimento produtivo, uma outra ferramenta fundamental para estruturar a indústria. As medidas de longo e médio prazos estão muito bem tomadas e orientadas. Este conjunto de ações convergem para uma a taxa de crescimento de 5%. Porém existem duas políticas econômicas que estão no sentido inverso: a cambial e a monetária que não convergem para isso. Gazeta Mercantil - Quais são as consequências desse descompasso? A política cambial, ainda que não tenha feito muito feio às exportações, expõe o setor produtivo do Brasil a competir em um ambiente artificial. Não existe isonomia de competição. Por exemplo, os competidores internacionais têm moeda desvalorizada e possibilidade de tomar crédito a custos menores do que os nossos. Estamos condenados a uma especialização da produção de bens primários, com baixo valor agregado. Além disso, o aumento da Selic, embora implique na desaceleração dos preços em médio e longo prazos, para combater a inflação, traz consigo efeitos maléficos. O aperto monetário reduz o nível de atividade e, paralelamente, inibe os investimentos. Sem ampliar a capacidade de produção não se consegue atender um eventual crescimento da demanda. Gazeta Mercantil - Existe divergência no governo sobre a origem atual da pressão inflacionária. Na sua opinião, de onde vem o atual aumento de preços? Alguns acham ser uma inflação de demanda. E outros acreditam ser uma inflação de custo. Eu acho que grande parte da inflação é importada e está contaminando o mundo inteiro desde o ano passado. Ela é mais de custo do que de demanda. E como se trata de uma inflação de custo, o aumento do juro não é o melhor instrumento para enfrentá-la. Se a inflação estivesse sendo puxada pela demanda até faria sentido o Banco Central desacelerar o consumo pela política monetária. Mas este não é o caso. Ao se tratar de uma inflação influenciada pelo mercado externo, por produtos agrícolas, o ideal é tomar medidas para reduzir a carga tributária e redesenhar a política agrícola, em relação a preços mínimos. Se existissem estoques reguladores e preços mínimos agrícolas certamente não existiriam problemas de aumento de preços agrícolas no Brasil. Isso evitaria um desequilíbrio entre a oferta e demanda e daria fôlego ao Banco Central para não aumentar o juro. Gazeta Mercantil - O Brasil está perdendo a oportunidade de fazer reformas estruturais na economia? Existem vários sinais que apontam mudanças importantes na economia. Uma delas é na forma como o Brasil se insere hoje na economia e como se inseria nos anos 90. Pela primeira vez na história, o Brasil passou a ter um espaço no âmbito das relações Sul-Sul (diplomacia entre os países mais pobres). Existe uma disposição do Estado para fazer políticas as quais entendemos ser importantes. O Brasil conta hoje com uma política voltada para o setor produtivo e isso não existia no País. Até então, o BNDES era considerado um banco comercial. Foi um banco que no passado apoiou e financiou a privatização do Estado. Houve um desmantelamento do setor público nos governos anteriores e o banco de fomento voltou a financiar a produção industrial no governo Lula. Há mais de duas décadas não fazíamos grandes investimentos em infra-estrutura. Tivemos o apagão em 2001 e estávamos condenados à mediocridade da estagnação, embora o País ainda não tenha conseguido atingir todo o potencial que possui. Mas, certamente, estamos em uma situação econômica bem melhor do que na década de 1990. Se olharmos do ponto de vista das políticas sociais também existem mudanças importantes. Até então, havia uma indicação de que a Previdência Social não teria condições de enfrentar o déficit do INSS, cenário que foi revertido pelo crescimento da economia e ampliação do emprego formal. As coisas tendem a melhorar ainda mais. Se o Brasil conseguir crescer 5% em média até 2010, conforme espera o Governo Federal, certamente teremos cerca de 8 milhões de trabalhadores (a mais) com carteira assinada. Isso se refletirá em mais recursos para o INSS. Além disso, o governo Lula se comprometeu politicamente a promover um crescimento médio de 5% na economia em seu segundo mandato, diferentemente do primeiro quando havia apenas metas de geração de emprego. E o Presidente tomou medidas muito importantes para que a meta seja cumprida. O Programa de Aceleração do Crescimento Econômico (PAC) cria um cenário benigno para os empresários investirem. Melhora a infra-estrutura e garante a produção de energia. Existem medidas voltadas para a melhoria da educação, saúde, tecnologia e para o setor produtivo. Gazeta Mercantil - Essas medidas dão garantia ao País de crescer 5% até 2010, mesmo diante da volta do aperto monetário? A nossa dificuldade hoje é no âmbito político. O problema é a falta de uma convergência política. O Brasil não possui uma norma em torno do desenvolvimento. Isso ainda está em construção. Não está claro o grau de convergência política para que essas medidas sejam tomadas de forma mais rápida (para o País conseguir crescer 5%). Há uma tensão na sociedade. Precisamos saber se estamos limitados a uma convergência política para combater apenas a inflação ou se há uma corrente política em favor do desenvolvimento. Gazeta Mercantil - A tensão na sociedade seria a divergência entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda no âmbito da inflação? A política é uma expressão da correlação de forças. Se não existe uma convergência política em nome do desenvolvimento nacional evidentemente que a inflação continua sendo o centro das atenções. Você acha que o Banco Central e o Ministério da Fazenda tomam decisões com base em um modelo estatístico? Ou as decisões são um reflexo de tensões políticas da sociedade? Quaisquer medidas tomadas pelo Banco Central não alteram a posição relativa dos detentores da riqueza do País? A determinação do crescimento econômico tem uma parte que diz respeito à governabilidade interna no que se refere às decisões sobre os agregados econômicos, monetários, fiscais e tributários. Ou outra parte também está associada ao mercado internacional. Gazeta Mercantil - A crise internacional preocupa? Ainda é difícil mensurar o tamanho da crise originada nos Estados Unidos. Ela continua concentrada nos países desenvolvidos. Mas a crise não é uma questão de curto prazo. Acredito que a turbulência dos Estados Unidos terá efeito de longo e médio prazos em decorrência do deslocamento do centro das decisões do principal país capitalista do mundo para Ásia. Pois, as decisões vão se descolar para centros dinâmicos. Esse é um movimento de médio e longo prazo. E isso vai fazer com que o Brasil se posicione melhor ou pior (no mercado externo). Há dúvida de que a crise no principal país capitalista do mundo não vá enfraquecer a posição relativa dos EUA. O dólar certamente perderá posição relativa frente ao euro e a outras moedas. Gazeta Mercantil - Qual a sua avaliação sobre a criação do Fundo Soberano do Brasil (FSB)? O Ministério da Fazenda agora começar a mostrar realmente o que é o fundo soberano. Até então, os objetivos do instrumento não eram evidentes. O fundo soberano pode contribuir para melhorar o câmbio e gerar um volume de recursos que poderiam ser usados para estimular os investimentos produtivos para além do petróleo. Ainda não está muito bem preciso a dimensão de todas as descobertas de petróleo da Petrobrás. Mas há indícios de que as reservas são bastantes significativas. Gazeta Mercantil - Qual o impacto destes recursos para o País? O Brasil precisa aproveitar o privilégio do petróleo para enriquecer as cadeias produtivas do País. Sendo assim, esta pode ser uma estratégia acertada e pode se repetir o que aconteceu no período da industrialização do Brasil, entre as décadas de 30 e 40, quando houve uma tributação de produtos, como o café, para financiar a industrialização do País. O Brasil não pode seguir o caminho de outros países que tiveram uma reserva petrolífera como México, Venezuela e países do Oriente Médio, ficaram ricos em cima de uma commoditie, mas não aproveitaram o momento para criar uma estrutura positiva diversificada. Gazeta Mercantil - A proposta de reforma tributária que está no Congresso Nacional deve reduzir os tributos que chegam a cerca de 40% do PIB? A atual proposta da reforma tributária no Congresso Nacional é uma reforma importante, para melhorar a eficiência econômica dos tributos, ao melhorar a simplificação, por exemplo. Mas não tenho dados de que ela vá reduzir a carga tributária. A mudança do sistema tributário representaria uma nova geração de política contra a desigualdade. Mas essas medidas não dependem apenas do Poder Executivo (da Presidência da República). O Poder Legislativo, talvez, reclame com razão da intensidade de medidas provisórias que o Executivo encaminha ao Congresso. O Legislativo poderia fazer modificações do sistema tributário, uma vez que parte importante, digamos a regressividade dos tributos, não depende de mudanças constitucionais. São mudanças interconstitucionais. Reduzir o peso dos impostos indiretos e aumentar o peso dos tributos diretos pode ser tratado pelo Poder Executivo. A carga tributária no Brasil é muito pesada sobre os pobres e relativamente muito leve sobre os ricos. Gazeta Mercantil - O que deve ser feito nesta área? O presidente da República tem a responsabilidade pela construção tributária, mas o Legislativo poderia perfeitamente debater e oferecer proposições que pudessem recompor a carga tributária. Com isso, poderíamos seguir a trajetória de países desenvolvidos, onde dois terços da arrecadação incidem sobre os tributos diretos e um terço sobre os indiretos. No Brasil acontece o inverso. Aqui dois terços da arrecadação são indiretos. Neste caso, quem pagam são os pobres por conta da proporção da renda. E um terço, são diretos. Com isso, o rico não paga imposto. Qual é o imposto no País destinado aos ricos? Infelizmente, o Brasil não fez as reformas civilizatórias do capitalismo contemporâneo. Não fez reforma agrária, não fez a reforma tributária e nem fez uma reforma social. Assim, o País se mantém com a maior desigualdade do mundo, a despeito dos avanços alcançados. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)()

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