Título: Mais dois votos e governo vence a disputa do IPI
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/09/2004, Legislação, p. A-10

O governo depende de apenas mais dois votos no Supremo Tribunal Federal (STF), de um total de cinco a serem proferidos, para trancar no armário um esqueleto de pelo menos R$ 30 bilhões. Estimado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e contestado pelo setor produtivo, o valor corresponde ao dobro dos R$ 15 bilhões destinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a política industrial em 2004.

Ontem, o STF começou a julgar recurso do governo contra decisão de dezembro de 2002 que garantiu às empresas o direito a crédito de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de insumos no regime de alíquota zero. Dos seis ministros que votaram, quatro foram favoráveis às teses do Fisco e defenderam a inexistência do direito, contra dois em sentido contrário. Um outro ministro sinalizou que votará com o setor produtivo, o que indica um resultado apertado no julgamento.

Relator do caso, o ministro Marco Aurélio de Mello disse que o artigo 153 da Constituição veda o direito ao crédito presumido de IPI. O dispositivo estabelece a compensação do imposto devido em cada operação com o valor pago na etapa anterior, em respeito ao princípio da não-cumulatividade. "Se nada foi desembolsado na etapa anterior (alíquota zero), nada há para ser compensado", declarou. Mello também disse que a "concessão de crédito presumido", como no caso, é condicionada pela Constituição à aprovação de uma lei específica, o que não teria ocorrido.

O relator lembrou que até o momento é o Judiciário que está assegurando o direito a crédito de IPI na compra de insumos no regime de alíquota zero e definindo a alíquota a ser utilizada na compensação. Os magistrados estariam usurpando competência reservada a deputados e senadores, ou atuando como "legisladores positivos", o que é proibido pela Constituição. Mello acrescentou ainda que o reconhecimento do direito fere o princípio da seletividade -que impõe carga tributária maior para os produtos supérfluos.

É que a Justiça tem assegurado aos contribuintes a compensação pela alíquota incidente na etapa final de produção. No setor de cigarro, ela supera os 300%. "Quanto mais supérfluo, maior será o direito ao crédito. E o IPI, pelo princípio da seletividade, tem justamente o objetivo de onerar menos os produtos essenciais", asseverou o relator. Seguiram a mesma linha os ministros Eros Roberto Grau, Joaquim Gomes Barbosa e Carlos Ayres Britto. Grau afirmou que o produtor não arca com o IPI, mas repassa o imposto ao consumidor.

Se o crédito presumido de IPI for mantido, haverá "enriquecimento sem causa", declarou. Autor do primeiro voto favorável às empresas, o ministro Antonio Cezar Peluso lembrou que o STF já reconheceu o direito ao benefício para casos de compra de insumos no regime de isenção. Deveria estende-lo também para o regime de alíquota zero, uma vez que os dois institutos, apesar de juridicamente distintos, têm o mesmo efeito prático. Retomando projeções amplamente citadas no processo, Peluso também ressaltou que a desoneração (alíquota zero), sem o crédito presumido, acarreta aumento da carga tributária.

O ministro Nelson Jobim, presidente do STF, acompanhou Peluso, e Carlos Velloso deu a entender ontem que fará o mesmo. Faltam votar ainda Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, autor de pedido de vista. Se há dúvidas sobre o direito a crédito presumido de IPI no regime de alíquota zero, é clara a tendência de que ele será derrubado no caso de insumos não-tributados.