Título: Saída de Fidel não é a saída para Cuba
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Fonte: Correio Braziliense, 24/04/2011, Opinião, p. 14

Por mais emblemática que seja para a revolução cubana a figura do comandante, o regime caminha sem Fidel Castro desde 2006, quando ele se afastou para cuidar da saúde debilitada. Naquela ocasião, foi substituído na Presidência do país por Raúl Castro. Agora, o irmão assume o lugar do líder também na direção do Partido Comunista, depois de entregar a segunda-secretaria da agremiação política a José Ramon Machado, companheiro dos tempos da guerrilha. Ou seja, trocam-se as peças, sem renovar a cúpula, num prenúncio de que as mudanças na ilha são para manter tudo ¿ mais ou menos ¿ como está.

Pode-se alegar que novos ventos sopram em Havana, porque ao cubano passou a ser permitido abrir um restaurante, um salão de beleza, uma floricultura. O total de negócios chegou a 178, o que, convenhamos, cabe numa entrequadra comercial de Brasília. Seria ingenuidade apostar na força de uma livre iniciativa emergente no país. Tanto, que, dos 200 mil trabalhadores por conta própria em 2006, não restam 150 mil. As dificuldades vão da falta de consumidor, de crédito e de empreendedorismo ao excesso de burocracia e de controle estatal. Nesse ambiente hostil, a subsistência do cidadão ainda depende de suprimento alimentar mínimo fornecido mensalmente pelo Estado.

É fato que, no primeiro encontro do Partido Comunista em 14 anos, pacote com centenas de medidas foi ratificado no âmago de uma reforma econômica. Mas a abertura deve se dar, primeiro, no campo político. Raúl Castro propõe a retirada do Estado do dia a dia da economia. Em que ritmo? Ele também manifesta a intenção de limitar a 10 anos o tempo de permanência de um dirigente no poder. Como assumiu em 2006, pode-se inferir que se disponha a passar o bastão em 2016. Não deverá ser a José Ramon Machado, hoje com 80 anos. Por sua vez, o modus operandi dos revolucionários de meados do século passado indica que tampouco será a alguém de perfil tão diferente.

As intenções de mudança até são reais; mas involuntárias. Assim como Fidel Castro não se retira por vontade pessoal, Cuba não quer modernizar-se, apenas precisa fazê-lo. Afinal, não produz o suficiente para o sustento da população. Subjugada por um embargo econômico, comercial e financeiro determinado pelos Estados Unidos em 1962, a economia do país está prestes a falir. O governo já anunciou a necessidade de demitir 1 milhão de funcionários. É de se perguntar até quando será capaz de bancar a gratuidade da saúde, da educação e de outros serviços para seus 11 milhões de habitantes.

No mundo de hoje, uma das economias que mais crescem é a chinesa, comunista como Cuba. Mas as semelhanças se limitam ao regime. Além do poderio militar, a potência asiática se impõe no planeta até por sua dimensão continental e fabulosa população, 118 vezes superior à da ilha caribenha. Em outras palavras, a globalização não pode prescindir de Pequim. Já a inserção de Havana, mais cedo ou mais tarde, goste ou não a família Castro, também será efetivada. O pé preso no burocratismo estatal retém a marcha das mudanças e perpetua o atraso. Mas, e principalmente, antes de fazer concessões ao capitalismo, o Estado precisa reconhecer o direito da sua gente à liberdade. Só com respeito aos direitos humanos o embargo perderá sentido e Cuba receberá oxigênio novo.