Título: Brasília para sempre
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 24/04/2011, Opinião, p. 15

advogado

Decorridos 51 anos da inauguração de Brasília como capital da República, cumpre saber se a medida foi acertada ou não para o bem da nação. Se depender daqueles que combateram a construção da cidade no governo JK, quiçá a resposta seja agora de espanto e hesitação. Sobretudo diante da grandeza material e humana do empreendimento e de todo o complexo socioeconômico que o envolve. Para aqueles que aplaudiram a iniciativa, o momento é de evocação da grandiosidade do acontecimento. Se o Rio de Janeiro continuasse a ser a capital do país, o que seria do Planalto Central? É difícil arriscar prognósticos. Mas, o mais provável é que continuasse a ser a mesma região agrícola de cultivo de grãos, hoje redimensionada com as plantações de soja e cana-de-açúcar em boa parte de suas áreas. Certamente os espaços restantes também fossem, em boa parte, reservados para a engorda de gado. Fatos que, por serem recorrentes, fizeram do Brasil o maior exportador de soja, de açúcar e de carne bovina in natura.

Se a capital do país ainda se situasse no Rio, provavelmente o crescimento nacional se desse margeando o Atlântico, tal como sucedeu até pouco tempo. A proliferação de cidades ao longo da costa brasileira explica o fenômeno. As estradas de ferro, por exemplo, não conseguiram se afastar do litoral, a não ser em discretas incursões. Até que chegou o momento de seu desmantelamento nos anos que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial. Quando se acordou que deveriam ser preservadas, seus trilhos já tinham sido removidos e as estruturas que custaram grandes recursos do erário também haviam sido desmanchadas. Andou-se para trás como caranguejo.

Só agora se dá conta da conveniência econômica da construção de novas ferrovias e do reaproveitamento de algumas das malhas remanescentes. Graças à abertura de rodovias, no entanto, é que o Brasil distante pôde se aproximar dos centros econômicos e industriais do Sudeste e do Sul do país. Brasília teve o seu crescimento sustentado por meio de aviões e caminhões. A estrada de ferro que chegou à capital com dificuldade e tardiamente pouco pôde contribuir com o transporte de carga e de passageiros. Sua duração útil foi fugaz e logo se tornou ociosa. Não se sabe se um dia voltará a ser reutilizada, ainda que proporcione frete mais barato. Tomara que não demore muito se é para valer a retomada de seu uso.

Toda vez que se fala na mudança da capital para Brasília, não se pode deixar também de falar em José Bonifácio de Andrada e Silva. Ainda jovem, saiu de Santos e foi para Portugal a fim de fazer os estudos superiores na Universidade de Coimbra. Formado, participou ativamente da vida acadêmica e científica do país. Como mineralogista, viajou para diversos países da Europa para o fim de aperfeiçoar os conhecimentos nessa ciência. Ocupou importantes cargos no governo português. Inclusive o de ouvidor e de oficial do exército. Depois de permanecer no país por 30 anos, já com 56 anos de idade, retornou à terra natal. Nas Lembranças e apontamentos por ele redigidas, tendo por destinatários os deputados da província de São Paulo às cortes de Lisboa, em 1821, defendeu a transferência da capital do Rio de Janeiro para uma cidade a ¿ser criada nas cabeceiras do Rio São Francisco¿, para facilitar a integração nacional. Esse mesmo sentimento foi novamente defendido, após a Proclamação da Independência, para que a capital da nação fosse transferida para um local a ser escolhido no Centro-Oeste brasileiro.

Coube a Juscelino Kubitschek o histórico papel de converter em realidade o velho sonho nacional da mudança para o centro do país. Os adversários do projeto suscitaram objeções de toda ordem. Parte da mídia nacional e políticos defensores da permanência da capital no Rio de Janeiro apresentaram argumentos que pouco a pouco se desfizeram. Enquanto trataram de opor empecilhos para que a transferência não se concretizasse, as obras da nova capital varavam noites a fio. A frenética atividade de remoção de terra das aberturas de escavações, as montagens de andaimes nas estruturas dos edifícios, o tilintar de ferragens descarregadas de carretas, a correria de caminhões carregados de materiais de construção indo de um ponto a outro na barafunda desenfreada, caçambas cheias de areia, pedra, cimento, tijolos, cerâmicas e esquadrias metálicas se movimentavam num vaivém interminável, gente com roupa suja de poeira, graxa e respingos de concreto caminhava de um lado para outro das construções, tudo isso era o que se via entre o entusiasmo de operários e a certeza de que eram protagonistas de um novo tempo.

Brasília foi construída apesar das oposições e dos óbices de muitos. Tudo ficou pronto para que os Poderes da República pudessem funcionar na nova capital. O que não foi possível se realizar como esperado, o tempo se encarregou de dar jeito. É impossível pensar o Brasil de hoje sem pensar Brasília de agora. Foi no Congresso Constituinte de 1988, em pleno Planalto Central, que nasceu a nova Constituição que rege os destinos do Brasil. Do Brasil que, sem mais rupturas de predicamentos constitucionais, não tolerará aventuras de desordens institucionais. Como muitas do passado que apenas ficam no retrovisor da história para que jamais se repitam.