Título: Petróleo caro impacta nas rodovias dos EUA
Autor: Freitas Jr., Osmar
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/06/2008, Internacional, p. A13

Nova York, 24 de Junho de 2008 - Na rodovia interestadual I-40, no estado americano de Oklahoma, entre os municípios de Elk City e El Reno, passavam por semana, no ano passado, cerca de 800 casas pré-fabricadas. Seguiam abarrotadas em caminhões: dois quartos, sala, cozinha, banheiro, lavabo e saleta de TV. Tudo novo e pronto para ser ancorado em base de concreto. O conjunto, assim sobre rodas e atrapalhando o tráfego, tinha ares surrealistas. Grandes caramujos se arrastando para novos territórios. No início deste mês de junho, a Polícia Rodoviária revelou à Gazeta Mercantil e ao Jornal do Brasil: nenhum lar portátil passou por aquele trecho de asfalto. Com a crise econômica americana, e o galão (3,78 litros) de gasolina a US$ 4, quem pode sair de casa? Ou levá-la para qualquer lugar? E comprar casa e transporte? O exemplo da imobilidade das casas pré-fabricadas é emblemático no conjunto de simbologias da crise econômica nos estados Unidos. São como ícones expostos à curiosidade pública, no vasto território entre Niagara Falls ¿ Nova York, fronteira com o Canadá, e El Passo, Texas, à beira do México. E servem melhor do que os números de estatísticas e indicadores financeiros para demonstrar, na prática, aquilo que se lê nas atuais análises impressas. E a leitura é esta: 49 mil empregos foram perdidos no país somente em maio. A média de desemprego é de 5,5%. Imóveis perderam mais 14% de seu valor, numa escalada que soma 34%, desde o começo do ano. A taxa de retomada de residências e propriedades comerciais pulou mais 0,8%, além dos 16% de até então. Ou ainda: as vendas de automóveis ficaram 10,7% menores, no mesmo período. Com a gasolina valorizada em 40%, em 2008, não se esperam melhoras no futuros imediato. Viagem por 13 estados Os números, porém, são gelados como coração de agiota. A concretização da recessão está nas ruas e estradas do país. Uma pesquisa in loco pelas rodovias de 13 estados americanos, nas duas primeiras de junho, mostrou ao que o menor preço do galão de gasolina estava US$ 3,98 perto de Amarillo, Texas. O mais caro foi localizado nos arredores de Nova York, onde as bombas dos postos cravavam US$ 4,07 para a mais baixa octanagem (86) do produto. Em Harrisburg, Pensilvânia, não se tinha preço: faltava combustível nos postos da zona rural. No mesmo condado, desde fevereiro, eliminaram-se 48 estabelecimentos comerciais. Foram juntar-se às 5 mil lojas que fecharam definitivamente as portas no nordeste da Pensilvânia. Perto de Allenton, no mesmo estado, Chuck Eldorf, funcionário local do Departamento de Estatística do governo, está tendo muito desgosto com sua contabilidade. "Wescosville era uma cidadezinha que estava prosperando. Começava a ganhar um certo charme de zona artística. Hoje virou uma cidade fantasma. Uma loja na rua principal pode ser comprada por US$ 17 mil. Mas quem vai querer uma vitrine exposta para ninguém?", pergunta Eldorf. Comércio afetado Restaurantes e lanchonetes são alguns dos comércios mais atingidos. Alimentos tiveram, em geral, aumentos de 8% neste ano. Começa a se espalhar pelas cozinhas americanas o mesmo efeito que ocorreu no Brasil no Plano Cruzado: a diluição nas receitas e redução de porções. Assim, um molho de macarrão, por exemplo, que recomendasse meia dúzia de tomates, passa agora a levar três ou quatro. O conteúdo de enlatados e empacotados sofreu diminuição substancial, mantendo o mesmo preço da unidade anterior mais generosa. "Uma caixa de cereais continha 425 gramas, e agora oferece apenas 352 gramas. O próximo passo será o aumento do preço, pois os fabricantes não terão mais como segurar os custos de produção", diz o economista e analista de supermercados Jonathan Heidburg. "O pior é que os problemas de obesidade que afligiam a população, não devem diminuir. Já que os mais atingidos são pobres, que matam a fome em cadeias de fast food, onde a comida é mais barata, mas é pior para a saúde e engorda terrivelmente." Dramas da crise Os dramas individuais da crise são muitos, mas ficam perdidos nas análises, ou ganham a forma de anedotário jornalístico. Mas há um meio termo entre estas duas áreas. Ele é capturado nas tendências do novo "american way of life". Por exemplo: os hábitos da tribo nômade dos aposentados, vivendo em "motor homes" - os chamados veículos recreativos -¿ ou trailers. Durante o inverno, milhares deles migravam para o Sul ou Oeste do país, especialmente no estado do Arizona, onde o tempo mais quente combina mais com seus reumatismos, artrites, ou sensibilidade epidérmica. Quando a primavera começava a despontar, partiam rumo ao norte, para fugir do calor infernal do deserto e buscar ares mais frescos nas florestas de Montana, Idaho, ou na costa da Nova Inglaterra. Neste verão de 2008, porém, a caravana empacou por causa da gasolina cara. Existem milhares de trailers derretendo sob temperaturas de 40º C, no agreste do Texas, Novo México e Arizona. "Tenho bastante medo de que muitos destes aposentados ciganos, gente já de idade, vá simplesmente morrer de calor." (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 13)(.)