Título: Brasil dá menos peso para alimentos
Autor: Cavalcanti, Simone; Saito, Ana Carolina
Fonte: Gazeta Mercantil, 14/07/2008, Nacional, p. A4

O peso dos alimentos na composição da inflação no Brasil fica aquém da média dos países que não fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), as variações de preços dos alimentos para as economias emergentes pesam 37% nos indicadores de preços locais ante 22,45% no Índice de Preços ao Consumir Amplo (IPCA). "A inflação aqui poderia estar mais alta há muito mais tempo", afirma o diretor-executivo da Fitch Ratings no Brasil, Rafael Guedes. "O Brasil tem um componente surpreendentemente pequeno para um país de baixa renda em contrapartida com o Japão", diz, argumentando que um índice de inflação tenta reproduzir a cesta média de consumo de uma pessoa local, portanto, países em desenvolvimento ou de baixa renda dão um peso maior para esse item. "Para essas populações, o gasto relativo de alimentos toma boa parte de sua renda, e seguro de automóvel, computadores, eletrônicos, viagens e seguros, por exemplo, representam um valor menos importante". O consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Gomes de Almeida, concorda que o menor peso pode ser o fato de o País "estar sofrendo menos". No entanto, contrapõe, o Brasil tem uma população urbana que conjuga pobreza e classe média maior do que os países analisados (ver quadro ao lado). "Somos diferentes de outros mais homogêneos e o IPCA reflete bem nossa realidade", diz. O IPCA, que foi adotado como indicador oficial para o regime brasileiro de metas de inflação, mede as variações de preço para a população que ganha até 40 salários mínimos. No caso do INPC, referente a famílias com 1 a 6 salários mínimos, sendo o chefe assalariado, o peso de alimentação é de 30,1% "A inflação [oficial] seria mais alta se o índice utilizado fosse o INPC", comenta Elson Teles, economista-chefe da Concordia Corretora. Na sua avaliação, a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2002-2003, usada como base para a formação dos dois indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é recente e, portanto, não há distorções no IPCA e nem no INPC. "Cada país tem sua peculiaridade com relação à alimentação. Cada um tem seu peso relacionado à sua realidade", ressalta Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. Mais evoluído Gomes de Almeida afirma ainda que, diferentemente de outros países, o Brasil está em outro estágio de desenvolvimento. Pode, portanto, ser comparado ao México, como lembra o economista da LCA Consultores Raphael Castro, local onde os alimentos representam 19,9% do índice de preços ao consumidor. "O peso de alimentos no Brasil é próximo ao do México, que está mais perto do nosso nível de desenvolvimento", afirma o economista. O pesquisador e professor de macroeconomia do Ibmec São Paulo Marcelo Moura segue a mesma linha de raciocínio. "O Brasil tem renda per capita superior a outros emergentes. Na China e Índia, a população rural é muito grande. Apesar de crescerem mais que o Brasil, a renda é inferior", afirma. Para Moura, o fato de o Japão apresentar um percentual maior para a contribuição na inflação pode estar relacionado aos elevados preços de alimentos no país asiático. "Além disso, alimentação é relativamente mais barata no Brasil, devido à produção agrícola mais elevada. O preço relativo é menor", comenta o professor. Trajetória de alta A pressão dos alimentos se mantém forte. No Brasil, o grupo deve apresentar neste ano inflação superior aos 10,79% registrados no ano passado. Economistas, que no início do ano apostavam em taxas de um dígito, prevêem hoje alta entre 11% e 14% em 2008. No acumulado nos 12 meses até junho de 2008, o grupo alimentação registrou elevação de 15,79% e representou mais da metade do índice geral de 6,06%. De acordo com o economista da Rosenberg & Associados, Luiz Fernando Azevedo, a carne deve ser um dos principais destaques de pressão inflacionária. O item representa 2,05% do IPCA. Ele ressalta que o preço da arroba do boi já atinge patamares históricos, de R$ 95. "Isso está sendo repassado para o consumidor. E aves e suínos tendem a acompanhar a alta do preço da carne bovina", afirma. A expectativa é de o frango, por exemplo, apresente elevação nos próximos meses. "O milho representa metade do seu custo de produção. No Brasil, o item acumula queda de 20% no ano, mas está começando a subir. Lá fora, a alta já é de 60%", comenta. Na avaliação de Teles, da Concórdia, afirma que a inflação está mais disseminada em alimentos em 2008. Cereais, que inclui feijão e arroz, já apresenta alta de 74% em 12 meses até junho. No mesmo período, também apresentam forte elevação carnes (37,7%), óleos e gorduras (33%) e aves e ovos (11,6%). Os índices de inflação continuam a subir na América Latina, suscitando um sério desafio para os bancos centrais e os seus regimes de metas de inflação. A Fitch espera que a inflação média suba de 5,1% apurados em 2007 para 6,4% neste ano. A inflação está saindo do alvo para a maior parte dos países latino-americanos. Jamaica e Suriname, por exemplo, já apresentam taxas de inflação mais de 15% enquanto na Venezuela e Argentina as estimativas não oficiais estão acima dos 20%. No Chile, a elevação chega a 8,9%, bem acima do limite superior da meta de inflação estabelecida pelo país, de 4%. Por outro lado, México, com alta de 4,9% em 12 meses até maio, e Brasil têm as mais baixas taxas de inflação na região.