Título: Taxa de juros é inócua no combate aos principais vilões
Autor: Totinick, Ludmilla
Fonte: Gazeta Mercantil, 14/07/2008, Nacional, p. A5

A taxa de juros, principal arma do Banco Central para tentar fazer com que a inflação volte ao centro da meta estipulada pelo governo, não atinge a maior causa do problema: o aumento do preço dos alimentos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 63% da inflação apurada em junho vêm do custo mais alto de produtos como feijão, arroz e carne, que sofrem mais influência de demanda da China ou problemas climáticos que da taxa Selic. O problema não pára aí. Para Eulina Nunes, coordenadora dos Índices de Preços do IBGE, a insistência em falar de inflação gera expectativa de aumento de preços no imaginário coletivo. O que não necessariamente corresponde à realidade. "Isso acontece, principalmente, quando não se localiza exatamente o que ocorre com a inflação. E contribui para que os agentes econômicos se sintam muito à vontade para praticar aumentos de preços, mesmo que o setor não sofra influências", ressalta Eulina. "A inflação que o Brasil vivencia, nesses últimos meses, está concentrada na alimentação. Não percebemos nos aluguéis, nem nos combustíveis. A energia elétrica até reduziu a tarifa". Na variação de 0,74% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em junho, os alimentos contribuíram com 0,47 ponto percentual. No ano, produtos agrícolas subiram 8,64% ou seja 52% do total apurado no semestre. Índice bem acima do de igual período do ano passado, cujo resultado foi de 3,93%. No ano passado, a inflação total fechou em 4,46%. A dos alimentos ficou em 10,79%. "Se na metade do ano temos 8,64% chegaremos aos 10,79% facilmente", prevê. Para o diretor de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), João Sicsú, não existe pressão de demanda sobre outros itens, ao contrário do que alega o Banco Central ao ressaltar que há "descompasso" entre a oferta e demanda. "A pressão existe nos alimentos. Houve quebra de safra em diversas regiões do mundo e aumento de demanda", diz, lembrando que a melhor forma de combater qualquer tipo de inflação é atuar sobre a causa. No caso específico dos alimentos, é aumentar a oferta. Ninguém deixa de comer No dia em que foi divulgado o IPCA de junho, o presidente da autoridade monetária, Henrique Meirelles, reafirmou a política de aumento de juros para trazer a inflação para o centro da meta de 4,5% até ano que vem. "O BC avalia que a redução consistente do descompasso entre o ritmo da ampliação da oferta de bens e serviços e da demanda continua sendo elemento central na avaliação de diferentes possibilidades para a política monetária". Eulina Nunes, do IBGE, ressalta que apenas a demanda interna não explica a alta nos preços dos produtos agrícolas. "O setor alimentício tem demanda maior no mercado interno e externo propiciado pela renda maior", explica a especialista. "Os alimentos são commodities. O arroz está cotado em bolsa de mercadorias. E os preços sobem cada vez mais. Mesmo com grande produção no Brasil, o mercado internacional é quem dita os valores. Ninguém deixa de comer, mas, se for preciso, as pessoas deixarão de comprar automóveis, eletrodomésticos e bens duráveis em geral para comprar alimentos". Eulina lembra que a população tende a mudar de hábito. Vai trocar marcas, escolher uma carne de segunda ou ainda cortar produtos da lista de compras no supermercado. Crédito Para o economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, que tem participado de reuniões com a equipe do governo e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir os rumos da política econômica, o BC deveria usar outras ferramentas para combater a inflação, e não apenas o aumento sistemático da Selic, hoje em 12,25% ao ano. "O Banco Central usa o aumento das taxas de juros como única ferramenta para conter a inflação, em vez de responder com outros instrumentos", critica Belluzzo. "O aumento dos juros tem efeito muito negativo na taxa de câmbio, com a apreciação excessiva do real frente ao dólar, e atrapalha investimentos no País. O governo não utiliza os instrumentos que poderia". Para ele, a cartilha que o BC deveria seguir traz o controle quantitativo do crédito, aumentar as reservas de empréstimo para bens duráveis e o desaquecimento da demanda. Entre as iniciativas, Belluzzo lembra que o governo só adotou a ampliação do superávit primário. "Não é simples, não é fácil. É uma encrenca", resume. O economista da Fundação Getúlio Vargas, André Braz, tem opinião diferente. Ele diz acreditar que a inflação não está restrita aos alimentos. "O aumento da taxa de juros pelo Banco Central é uma saída para que a inflação não finque raízes. A alta dos alimentos não pode ser contida pelo BC, já que o preço das commodities é determinado pelo mercado externo" explica Braz. "O setor de serviços também teve aumentos e há ainda outros segmentos que estão com elevação de preço". Assim como outros economistas, Braz também sugere a contenção dos gastos públicos. Segundo ele, deve haver medida de controle permanente da máquina governamental. Ele também aposta no controle da facilidade do crédito. Também deveria ser regra a transparência na taxa de juros, para que o consumidor saiba o que realmente compra e quanto paga. Estoque do governo Uma forma eficaz de o governo conter a alta nos alimentos seria a manutenção dos chamados estoques reguladores para garantir o equilíbrio entre a oferta e a demanda no mercado interno. Mas, nos cálculos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil só tem 1,353 milhão de toneladas de grãos nos estoques público e privados. O número é ínfimo diante da capacidade estática do país de 125,3 milhões de toneladas. Só a Conab tem capacidade para guardar 2,188 milhões de toneladas. No País existem 16.548 unidades armazenadoras, 95% delas do setor privado e 5%, público. Segundo a Companhia, é difícil prever se a quantidade disponível durará dias ou semanas, ao alegar que a atividade é volátil e depende da demanda. O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, admitiu que os estoques estão em baixa e que caíram quase pela metade, porém garante que a situação mudará nos próximos meses. "Há 60 dias, houve aumento de 26% da área de plantio do trigo, que significará aumento de 5% a 6% da produção", explica Stephanes. "Temos de aumentar a produção de alimentos e o Brasil adota políticas para que isso aconteça. O País faz a sua parte, mas não pode resolver o problema do mundo". O economista Luiz Gonzaga Belluzzo atribui a redução dos estoques à falta de organização de políticas de regulação de preços das commodities no mundo inteiro. "Como conseqüência, o preço ficou entregue aos mercados futuros", explica. "No caso dos produtos agrícolas, houve crescimento da especulação nos mercados futuros. Já as commodities metálicas, que são controladas por três grandes empresas, entre elas a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), também têm os preços determinados nos mercados futuros. O economista André Braz da FGV disse que a concorrência para a produção de etanol tem efeito direto sob a quantidade estoque de alimentos. "A questão central é o aumento da demanda de alguns países, principalmente dos emergentes, onde parte da população não tinha acesso ao consumo, e hoje tem demanda muito maior por alimentos, por isso houve diminuição dos estoques", explica Braz