Título: CVM planeja terceirizar análises
Autor: Rebouças, Lúcia
Fonte: Gazeta Mercantil, 14/07/2008, Finanças, p. B1

A terceirização das análises preliminares de pedidos de registro de ofertas públicas de ações, com a contratação de entidades auto-reguladoras, que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pretende por em prática, vai aumentar o espaço para conflitos de interesse numa área já bastante sensível do mercado de capitais. Bancos de investimentos, um dos atores importantes desse mercado, têm sido criticados por negócios que beneficiam mais seus próprios interesses do que os das empresas para quem coordenam operações de ofertas. A terceirização faz parte das medidas para a simplificação dos processos de registro de ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, cuja minuta de instrução está em audiência pública. Para André Viola Ferreira, sócio da Terco Gran Thornton para a área de mercado de capitais, a minuta não fala quais as entidades poderão ser contratadas. Isso não exclui a Bovespa e a Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid), por exemplo, que são auto-reguladoras do mercado de capitais, cujos interesses (ampliar o número de companhias na bolsa e representar bancos de investimentos) teoricamente poderiam comprometer a isenção necessária para uma avaliação adequada do pedido de registro da oferta. O professor Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios, não acredita em aumento do conflito de interesses, desde que haja um tratamento adequado das entidades a serem conveniadas pela CVM. Na sua opinião, a medida é positiva porque fortalece o sistema auto-regulatório do País. A medida "reduz a concentração na supervisão, o que não é bom, e aumenta a concentração na decisão da CVM, o que é um ponto positivo. É uma simplificação positiva porque a CVM não tem estrutura para acompanhar a demanda deste tipo de documento (de registros de ofertas), mas fica com a decisão final", diz. No tratamento das entidades auto-reguladoras, a minuta estabelece regras como qualificação técnica e treinamento dos prepostos que conduzirão as análises previas e produzirão os relatórios técnicos e indenizações no caso de prejuízos causados à CVM por atos ou omissões. O coelho e a horta Para outros estudiosos do mercado de capitais, isso não é o suficiente. A professora Érica Gorga, da cadeira de mercado de capitais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e da Cornell Law School, tem uma posição radical a respeito da terceirização. Na sua opinião, a avaliação de ofertas é uma função de competência da CVM. "Por mais que tenha déficit de pessoal, é o órgão que tem isenção para realizar o trabalho", afirma. "No caso da avaliação ser feita por uma entidade auto-reguladora ligada à instituições de investimento, por exemplo, há risco de colocar o coelho para cuidar da horta." A professora aproveita para lembrar a discussão com relação às responsabilidades dos bancos de investimentos que coordenam operações de IPOs (ofertas iniciais de ações). Segundo Érica, a instrução 400 da CVM é muito geral a esse respeito e deixa muitas lacunas. Nos Estados Unidos, as regras de atuação como coordenador de ofertas públicas são muito mais rigorosas e, mesmo assim, sua efetividade na redução de conflitos de interesse vem sendo criticada pelos interessados. A National Association of Securities Dealers (Nasd) diz que o coordenador não pode vender a sua cota de participação na oferta que coordena pelo prazo de um ano após sua conclusão. Também impede que compre ações da companhia para a qual vai atuar como coordenador por um período de um ano antes de participar da operação, conta a professora. Quebra de sigilo A posse pela entidade contratada pela CVM de informações ainda não divulgadas relativas a companhias já abertas, por exemplo, traz um risco adicional à atenção efetiva do sigilo sobre as informações. A CVM reconhece esse risco, mas a minuta propõe regras para que a medida tenha um efeito que compense sua adoção. Segundo a minuta, "caso não se adotasse esse entendimento, o pedido de análise feito à entidade conveniada seria tratado como sigiloso e somente poderiam ser coletadas intenções de investimento após o protocolo na CVM. Permitir a coleta de intenções de investimento desde o protocolo do pedido de registro na entidade conveniada dá aos intermediários um período maior de tempo para realização de esforços de venda, pois do contrário apenas teriam sete dias úteis para a divulgação da oferta. No entanto, essa faculdade pressupõe a divulgação da operação por um período de tempo maior, eventualmente expondo mais o emissor ao risco de o mercado se posicionar contra a oferta". Simplificação Para o consultor da Terco, pelo edital e audiência pública, a CVM não atinge o objetivo de simplificação do registro de ofertas públicas. O ideal seria ter uma "CVM Mais", uma instrução para o registro de empresas que vão para o Bovespa Mais, porta de entrada na bolsa para empresas de menor porte; Essa é a sugestão de Ferreira para a minuta que fica em audiência pública até o dia 17. "Do jeito que está proposto, as exigências de informações são as mesmas da instrução 400, que regula as ofertas", afirma. Mas ele avalia como positiva a redução do prazo para dar o parecer sobre o processo para dez dias. "O tempo menor na materialização da ofertas permite que a empresa aproveite melhor as janelas de oportunidade que se abrem no mercado de captação de recursos."