Título: Um combate diário que José Alencar trava desde 1949
Autor: Romoaldo de Souza
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/09/2004, Finanças & Mercados, p. B-1

Juros ou aluguel do dinheiro. Esse dilema, vivenciado ainda quando era um moço interiorano de 18 anos, virou carma para o vice-presidente da República, José Alencar. E é a razão principal de sua batalha diária contra as elevadas taxas, que combate desde quando morava em Caratinga, no interior de Minas Gerais, em 1949. Nessa época, ele decidiu sair de casa e ganhar a vida por conta própria, mas precisou pegar dinheiro emprestado com o irmão mais velho. Por isso, Alencar ainda sonha - e espera contar com o engajamento dos empresários - em reduzir as taxas de juros no país, que considera uma "loucura e um despropósito".

Nascido de uma família de 15 irmãos, José Alencar tinha 18 anos quando ganhou a emancipação do pai e começou a lutar pela independência financeira. O início efetivo dos negócios, que o levaram a tornar-se um dos mais bem sucedidos empresários do setor têxtil, ocorreu quando o irmão mais velho, Geraldo Gomes da Silva, emprestou-lhe 15 mil cruzeiros.

"Ele me cobrava 1,5% de juros mensais. Eu, morando em Caratinga, e ele em Ubá. Todo mês eu depositava 225 cruzeiros, para crédito na conta do meu irmão", lembrou Alencar, ao participar na terça-feira à noite de uma solenidade da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra).

Alencar contou que, "um belo dia", o gerente do extinto Banco Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais - que também se chamava Geraldo (Santana) -, quis saber o porquê daquele depósito mensal de 225 cruzeiros.

Uma conversa com o gerente

O menino, que jamais sonhara ser vice-presidente da República e que empunharia a bandeira da redução dos juros, relatou ao gerente o acordo financeiro que havia firmado com o irmão. "O Geraldo é meu irmão e eu não tenho nada. O capital é dele, ele me emprestou o dinheiro e me cobra 1,5% de juros. Isso dá 225 cruzeiros e eu deposito esse dinheiro aqui para ele", narrou José Alencar, para espanto do gerente.

Foi aí que o bancário chamou a atenção de Alencar. "Seu irmão não pode cobrar essa taxa de juros", advertiu Geraldo Santana. "Está errado. Isso é fora da lei. Taxa de juros é no máximo 1%, está lá na Lei da Usura, de 1933, de Getúlio Vargas."

O gerente do banco ainda tentou convencer Alencar a devolver o dinheiro que tomou emprestado do irmão, cobrando juros de 1% ao mês. "Eu não posso fazer isso. Meu irmão é mais velho, foi ele quem foi comigo pedir ao papai para me emancipar", disse o vice-presidente."O que, convenhamos, foi uma emancipação cara", brincou.

Meses depois, o irmão Geraldo Gomes deixou a mineira Ubá, onde morava, e foi visitar Alencar, em Caratinga, no leste do estado. Chegando lá, encontrou o irmão inquieto, apesar de bem de vida.

"Durante o almoço, eu falei grosso. Escuta aqui, Geraldo, você está me cobrando um juro fora da lei. Tem a Lei da Usura, que proíbe isso, e o Geraldo Santana, gerente do banco, me falou que você tem que me cobrar só 1%", conta José Alencar.

O vice-presidente continua sua narrativa. "Foi quando falei de juros que ele me desmontou, afirmando: `Escuta meu irmão, eu nunca te cobrei juros¿". Alencar ficou assustado, todo mês ia na agência do banco, fazia um depósito na conta do irmão, e Geraldo vinha dizer que não estava cobrando juros.

Que juro é esse?

"Mas já tem quase um ano. Eu deposito todo santo mês 225 cruzeiros, você não tem recebido o dinheiro?", perguntou Alencar.

"Claro que tenho. Tenho recebido todo dinheiro, mas aquilo não é juros", contestou Geraldo.

"Se não for juro, o que é então?", retrucou Alencar. "É aluguel do dinheiro", encerrou o diálogo o irmão mais velho.

"Talvez seja por isso que eu falo de juros até hoje. E vou falar sempre", resumiu Alencar.kicker: O primeiro empréstimo veio do irmão mais velho, que cobrava "aluguel do dinheiro"