Título: Carestia dói no bolso
Autor: Martins, Victor ; Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 26/04/2011, Economia, p. 9

A inflação cujos números assustam a cada divulgação oficial está cada vez mais real e já provoca desconforto no cotidiano do cidadão. O gráfico Marcos Felipe de Souza, 30 anos, contou que o valor da batata, do tomate e do leite está pesando bastante no orçamento mensal. ¿Esses itens começaram a fazer a diferença no bolso. Mas alguns, como a carne, já estão inviáveis há algum tempo. A gente acaba precisando trocar os itens¿, lamentou. Marcos lembrou que, como não há equiparação salarial para amenizar o efeito de produtos mais caros, a solução é cortar o que é supérfluo. ¿Refrigerante não levo mais. Sorvete, só quando está em promoção, e ainda assim penso muito¿, destacou.

O economista Heron do Carmo explicou que o consumidor percebe a inflação de duas formas: nos gastos mais correntes, como comida e combustíveis, ou nos choques de reajustes pontuais, como aluguel e plano de saúde. A constatação tardia de um quadro inflacionário leva as pessoas a se adaptarem com a renúncia do gasto não compulsório. ¿Isso vale para as classes pobres e médias¿, acrescenta o professor. ¿As compras do dia a dia passam a mensagem inflacionária assim que se perde a referência de preços. A dona de casa percebe a carestia ao sair do supermercado levando menos produtos do que julgava poder comprar com certa quantia em dinheiro¿, disse.

O especialista em inflação lembrou ainda que a irritação do cidadão ao ver seu orçamento familiar encurtar ao ponto de não chegar até o fim do mês tem ¿impacto político importante¿. Ele acrescentou que, além dos custos pessoais de ter de abandonar certos luxos como o de jantar fora, o consumidor se frustra ao verificar a contaminação do orçamento do mês seguinte com os gastos inesperados com juros do cheque especial e a conta maior do cartão de crédito.

Essa é a história de Mara Almeida, 33 anos. Além de apertar as contas do supermercado, a dona de casa não está contente com o avanço nos preços de vários produtos. ¿O combustível está revoltante. Acabei de comprar um carro, mas estou até com pena de usá-lo, porque está difícil reabastecer com frequência. Até o transporte escolar do meu filho vai ter reajuste¿, reclama. Nem mesmo as viagens do último feriadão escaparam do arrocho familiar. ¿Eu e minha família fomos para

Pirenópolis (GO), mas deixamos o carro em casa e preferimos ir de ônibus. Nossas passagens custaram bem menos¿, compara.

Mesmo com o cenário negativo, algumas pessoas não abrem mão de certos produtos. A relação entre a carne bovina e a mesa da família da professora Lúcia Maria Justino, 48 anos, é um bom exemplo. ¿Até tentamos variar, mas, se ficarmos só comendo frango por ser mais em conta que a carne vermelha, vamos enjoar muito rápido¿, avalia. Para ela, o ideal é sempre procurar bastante até encontrar o melhor preço, mas o ritmo corrido do dia a dia nem sempre permite a pesquisa. ¿Nem todo mundo tem tempo para buscar itens mais baratos, embora seja o ideal¿, disse.

Em disparada Segundo o Sistema IBGE de Recuperação Automática (Sidra), no acumulado de 12 meses até abril, dispararam os preços nacionais do pimentão (74,21%), das hortaliças e verduras (42,95%), da cebola (35,56%) e do chocolate (35,10%). Apenas em Brasília, chamam a atenção as altas anualizadas do tomate (77,87%), da cebola (47,20%), do ovo de galinha (24,20%) e da batata (19,04%). Analistas acreditam que os preços desses produtos começaram a ceder em razão da mudança de estação, mas o aumento acumulado ainda levará meses para ser eliminado.

Prova evidente de que a carestia dos últimos meses já afetou a rotina está na volta de velhos hábitos, como o da estocagem de produtos. Outra está no impacto dos saltos no preço do etanol sobre o bolso e sobre a balança comercial brasileira. Com a alta acumulada de mais de 30% desde janeiro, os motoristas migraram em massa para a gasolina, levando à escassez do produto. O atendimento da procura via importações já projeta rombo de bilhões de dólares no comércio externo.

SEMANA CARA Comprovando o encarecimento do custo de vida, o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) registrou elevação de 0,80% nesta semana. O número, apesar de ser pesado, desacelerou 0,03 ponto percentual ¿ mas, ainda com o encolhimento, é mais que o dobro do considerado tolerável para um mês (0,34%). O encarecimento no indicador foi puxado pelos grupos transportes (alta de 1,82%), vestuário (1,06%), alimentação (0,91%) e saúde e cuidados pessoais (0,87%). Entre os itens que mais subiram, encontram-se cigarro ¿ passou de 1,00% de alta na semana passada para 1,57% nesta ¿, gasolina (de 3,76% para 4,66%), medicamentos em geral (1,29% para 1,71%) e tarifa de eletricidade residencial (0,28% para 0,45%). Em 2 de maio, a Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgará os dados completos do mês.