Título: Queremos equilíbrio do Brasil, diz Mandelson
Autor: Camarão, Rodrigo
Fonte: Gazeta Mercantil, 21/07/2008, Internacional, p. A11

Está na ponta da caneta de Peter Mandelson o pacote de bondades que a União Européia (UE) espera oferecer para aprovar a Rodada Doha, a proposta de liberalização do comércio que se arrasta há sete anos numa coleção de divergências mundo afora. Nas costas, o comissário de comércio da UE carrega a responsabilidade de representar os 27 países do grupo e ainda contornar a fúria protecionista de Nicolas Sarkozy, presidente da França e ocupante da cadeira número 1 da UE. Nesta entrevista exclusiva à Gazeta Mercantil feita por e-mail, Mandelson fala do que espera do Brasil para ressuscitar a combalida e desacreditada Rodada Doha amanhã, em Genebra, durante a reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio. Gazeta Mercantil - O que o Brasil pode fazer para a Rodada Doha acontecer? A Europa liderou, incentivou e encorajou as negociações por toda a parte. Na verdade, como esta é uma rodada para o desenvolvimento, a UE vai fazer mais que os outros. Mas não faremos isso sem esperar nada em troca. A Europa não pode e não vai aceitar um acordo que não possa defender em casa. Vamos manter nossa oferta agrícola atual, que é parte de um pacote ambicioso envolvendo grandes reduções, em breve, de tarifas e subsídios distorcidos para o comércio. Haverá a eliminação de subsídios para exportações de produtos agrícolas, se outros se unirem a nossos esforços. A agricultura não é a única área a qual a UE está atenta. Fazemos o mesmo com bens industriais e serviços. Oferecemos aos outros países novas oportunidades. O desafio para eles em Genebra é fazer o mesmo. Não há outro caminho. No mundo desenvolvido esperamos esforços iguais. Dos países em desenvolvimento, como o Brasil, não queremos paridade, mas equilíbrio. Gazeta Mercantil - Como? Pedimos ao Brasil e a outros países em desenvolvimento que diminuam uma parte de seus impostos. No fim das contas, suas tarifas médias aplicadas continuariam cinco ou seis vezes mais altas que as nossas. Gazeta Mercantil - O presidente Lula disse que Doha pode ter um final feliz? O senhor concorda, depois de tantos anos de debate? A economia global enfrenta uma enxurrada de problemas incluindo, agora, alta inflação, diminuição do crescimento, mercados imobiliários em colapso, altos preços de combustíveis e de commodities e aumento do desemprego. O perigo é que isso gera medo e leva à paralisia ou ao protecionismo crescente. A única esperança de boas notícias no horizonte internacional é a antítese do protecionismo - a possibilidade de avançar nas negociações. Não que Doha vá resolver esses problemas sozinha, porque não vai. Mas trará confiança para uma economia global que carece desse sentimento. Gazeta Mercantil - O que Doha pode fazer? Doha criaria um novo comércio e algumas travas na abertura existente como uma garantia contra um futuro protecionismo. Acabaria com algumas distorções no sistema de comércio global que prejudicam os países em desenvolvimento. Ajudaria a baixar os preços para importações para consumidores e empresas. Fortaleceria as regras e facilitaria o comércio. Agora, precisamos de todas essas coisas se pudermos garanti-las num pacote equilibrado. O crescimento da economia global não é algo que acontece sem escolhas políticas. A abertura que fortaleceu a economia global na última década é o resultado de acordos comerciais feitos há 15 anos. Lucramos com essas escolhas políticas. O crescimento e a abertura do mercado de uma década a partir de agora vão depender das escolhas que fizermos agora. Gazeta Mercantil - Podemos escolher ficar presos à abertura da Rodada do Uruguai, de 1994. Ou podemos escolher fazer agora as bases para um crescimento futuro do comércio. Qual a alternativa? Uma alternativa é deixar a Rodada Doha escorrer por nossos dedos porque não foi possível, no momento final, reunir a coragem política para fazer as escolhas necessárias para fechar o acordo. Se tivermos de evitar essa questão em Genebra, todos os negociadores terão de fazer a sua parte. Gazeta Mercantil - Parece que os EUA são um grande obstáculo para Doha. É possível convencer o presidente Bush no fim do mandato? É nossa última chance para concluir Doha, se falharmos na semana que vem, o jogo estará terminado. Então é agora ou nunca, ou, pelo menos, por um longo tempo. O calendário político americano complicou as negociações, mas também trouxe foco. Este é o ano para concluir a rodada. Acredito firmemente que o presidente Bush quer um acordo. No entanto, isso exigirá muito trabalho e real engajamento de todas as partes. Esperamos poder mudar a opinião dos que disseram, durante algum tempo, que Doha está morta. Gazeta Mercantil - O presidente Sarkozy também é um obstáculo para Doha? Ele critica a negociação conduzida pelo senhor. Houve inúmeras e duras críticas nos últimos dias. É meu trabalho, como responsável por liderar as negociações comerciais e representar o interesse comercial dos 27 Estados-membros, explicar o que estamos fazendo, e unir os europeus em busca de interesses comuns. É completamente normal, antes de uma importante reunião ministerial da OMC que as opiniões sejam defendidas com cores fortes. As negociações são difíceis, complexas e críticas para a economia mundial. Mas isso não é sobre indivíduos - não é sobre mim, Pascal Lamy (diretor geral da OMC), nem mesmo sobre o presidente Sarkozy. É sobre dar à economia global um estímulo para ajudar a enfrentar as pressões econômicas atuais e ajudar a manter a economia global em alta nos próximos anos. Não devemos nos enganar achando que há alguma opção segura de que nada muda se as negociações entrarem em colapso. A falta de um acordo em Doha significa que há um risco de voltarmos ao protecionismo, que é um fim trágico, um caminho do qual teremos dificuldade de nos livrar. Gazeta Mercantil - O que a UE quer do Brasil? Há flexibilidades e exclusões significativas para os países em desenvolvimento no texto sobre bens industriais. Os países da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) não têm tamanha latitude. A reciprocidade total para os países em desenvolvimento é o princípio menos apropriado, mas ainda precisa significar alguma reciprocidade. Por exemplo, não seria correto que todos os setores produtivos sofressem com reduções de tarifas de países em desenvolvimento competitivos como o Brasil. Então uma cláusula anti-concentração significativa, dentro das flexibilidades, é essencial. Os setores também são uma forma útil de encontrar o equilíbrio correto dentro do Acesso aos Mercados para os Produtos não Agrícolas (Nama em inglês), fazendo com que a fórmula de redução de tarifas em geral continue sólida. Na semana que vem, precisamos ver ofertas de serviços significativas. A UE faz sua parte na negociação, tanto na agricultura quanto no Nama. Na agricultura, vamos reduzir tarifas em uma média de 54%. Isso vai além da Rodada do Uruguai que permitiu que os negociadores escondessem reduções superficiais por trás de uma média muito mais baixa. A redução em 70% de subsídios que distorcem o comércio e a eliminação dos subsídios de exportação em 2013 oferecem um pacote muito significativo para o setor agrícola. No Nama, a tarifa média da UE vai cair para um nível residual insignificante. Vamos cortar todas as nossas linhas, e o tamanho dos mercados para os quais essas tarifas se aplicam é enorme.