Título: Um desestímulo à atividade produtiva
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Fonte: Gazeta Mercantil, 17/09/2004, Opinião, p. A-3

Todo mês, desde abril, quando a taxa Selic empacou em 16% ao ano, a um intervalo regrado de cerca de trinta dias, empresários e investidores vivem momentos de tensão, que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, nesta semana, ironicamente e com certa carga de preconceito, politicamente incorreto, chamou de Tensão Pré-Copom (TPC).

É que todo mês o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deixa pendente sobre a cabeça do empresariado nacional a lâmina ameaçadora do aumento da taxa básica de juros, que apesar de ter atingido o pico de 26,5% no início do governo Lula e depois caído consistentemente até o patamar de 16%, ainda persiste como uma das maiores do mundo, em termos reais, descontada a inflação.

Desta vez, os temores eram justificados. Na reunião encerrada nesta quarta-feira, dos oito diretores do BC, três votaram por um aumento de 0,5 ponto porcentual para a Selic e cinco a favor de um ajuste de 0,25 ponto, o que acabou prevalecendo.

Não é nada, não é nada... é muito. Não pelo simples valor numérico, mas pelas conseqüências sobre o estoque da dívida pública brasileira e, acima de tudo, pelo seu significado no ânimo da economia brasileira. Até porque essa foi a primeira alta da Selic desde fevereiro de 2003. Mas principalmente porque veio acompanhada de um alerta, conforme consta da nota oficial do Comitê, de que esse aumento representa o "início de um processo de ajuste moderado da taxa". Embora o Copom não tenha indicado viés, ou tendência, até a próxima reunião, em outubro, esse alerta e o voto de três diretores a favor de um aumento maior indicam que a taxa Selic continuará subindo nos próximos meses. Com isso, o Brasil se consolida como o segundo colocado no ranking dos países com os juros reais mais altos do mundo, atrás apenas da Turquia.

E os efeitos podem ser desastrosos, ou, no mínimo, desanimadores para os agentes econômicos. Os primeiros cálculos do efeito desse ajuste no montante da dívida pública interna brasileira indicam que ela poderá crescer R$ 1 bilhão no prazo de um ano, caso a Selic se mantenha no patamar de 16,25%, o que é pouco provável. Isso porque 52,93% dos títulos públicos existentes no mercado são corrigidos pela Selic.

Para os tomadores finais de crédito no sistema financeiro, pessoas físicas e jurídicas, o dinheiro tende a ficar ainda mais caro do que já é, diante do anunciado processo de ajuste da taxa Selic ao longo do tempo ¿ muito embora as taxas atuais de juros já sejam consideradas estratosféricas: em torno de 140% ao ano para pessoas físicas e de 65% para as empresas.

O efeito mais danoso, entretanto, será sobre o ânimo dos empresários. O ajuste de 0.25 ponto percentual certamente vai representar uma ducha de água fria nas intenções de investimentos das empresas, justamente no momento em que o chamado "espetáculo do crescimento" começa a mostrar seus primeiros sinais consistentes, resultado, entre outros fatores, da queda da taxa Selic ao longo dos últimos 18 meses. Assim, essa decisão do Copom é manifestação evidente da falta de sensibilidade política e econômica do Banco Central em relação à atual conjuntura. E ocorre num momento em que o governo federal está empenhado em elevar a auto-estima do brasileiro.

Mas será que na corrida de longa distância para o crescimento, diante dessa trombada do BC, todos repetirão o gesto do maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima, que não desistiu, persistiu no seu intento e ainda conquistou uma medalha de bronze que vale ouro para o Brasil na Olimpíada de Atenas?

A decisão do Copom foi tomada sob o temor do ressurgimento do fantasma da inflação e com base na expectativa de analistas de mercado, manifestada na pesquisa Relatório de Mercado (antigo Boletim Focus), de um índice inflacionário de 7,37% para este ano, ante a meta fixada de 5,5% (com margem de desvio de 2,5 pontos percentuais), e de 5,7% para 2005 (com igual margem), ante a meta estabelecida de 4,5%. No entanto, não há dados conclusivos de que os índices de preços mostrem a retomada da inflação. Ao contrário, tanto o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) da Fundação Getúlio Vargas como o IPC da Fipe/USP, divulgados no início desta semana, registram desaceleração de preços.

Nesse episódio, mais uma vez os que no governo defendem a supremacia do crescimento econômico foram derrotados pela burocracia tecnocrática financeira, que beneficia os rentistas, principalmente os bancos, que se locupletam com os rendimentos de títulos do governo e da alta dos juros. E quem perde é, antes de tudo, o governo, que vê aumentada sua dívida interna, e também todos aqueles que vivem da atividade produtiva e do trabalho. kicker: Quem perde com a elevação da taxa Selic é o governo e todos aqueles que vivem da produção e do trabalho