Título: A agonia do Cerrado
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Fonte: Correio Braziliense, 26/04/2011, Opinião, p. 14

Alertas sucedem-se de forma estéril, enquanto o Cerrado agoniza. Em 2008, estudo da Universidade Federal de Goiás (UFG) apontou que, de 2003 a 2007, foram devastados 18.900km² do bioma, o equivalente a mais de três vezes a área do Distrito Federal. No ano seguinte, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) atestou que, historicamente, quase metade (48,2%) da região já havia perdido a cobertura natural para plantações de grãos (soja, especialmente) e cana, formação de pasto e exploração de carvão. Isso significa a destruição de 982.984km² da vegetação nativa. Para manter a base de comparação, o correspondente à extensão do DF multiplicada por 170. Mais: constatava-se naquele ano que a destruição da savana brasileira se dá em ritmo duas vezes maior que a da Amazônia.

Agora, em série de reportagens iniciada no domingo, o Correio Braziliense revela com exclusividade trabalho do MMA que mostra as consequências da devastação sobre as nascentes do Cerrado, responsáveis pela irrigação de seis das 12 bacias hidrográficas do país, incluindo a do Rio Paraguai e a Amazônica, que abastecem, respectivamente, o Pantanal e a Amazônia. Não bastasse o avanço das fronteiras agrícola e pecuária, fontes de água secam sob empreendimentos diversos, que vão de loteamentos imobiliários à instalação de clubes recreativos. O impacto, muitas vezes, é irreversível: rios são assoreados, se estreitam, perdem vazão; fontes secam antes mesmo de aflorarem. A morte chega rápido. Produtores já são obrigados a racionar o uso da água em tempos de chuvas escassas.

Estratégico em termos de recursos hídricos, o Cerrado ocupa quase um quarto (24%) do território nacional, mas apenas 8% da sua área estão inseridos em unidades de conservação. Nem essa ínfima parte escapa da destruição, vítima constante de focos de incêndio nos períodos de seca. Nos 92% restantes, os proprietários têm respaldo legal para derrubar até 70% da floresta nativa. Preservar o bioma se torna, assim, missão inglória. Sem conseguir deter os danos, as autoridades são obrigadas a regular o uso da água, até para evitar as cada vez mais frequentes disputas pelo bem entre produtores. Na Bacia do Pipiripau, por exemplo, na divisa do DF com o município goiano de Formosa, desde o ano passado os agricultores são submetidos a regras de revezamento entre os meses de setembro e novembro, definidas em decreto do GDF.

Medidas paliativas não evitarão a tragédia anunciada da completa devastação do Cerrado até 2030. O ímpeto desenvolvimentista do país agrava o problema ao mesmo tempo em que exige do Estado respostas mais rápidas e efetivas. Afinal, mais de 80% da energia elétrica produzida no Brasil hoje é proveniente de usinas hidrelétricas. Mais um motivo pelo qual urge reverter a desertificação, o que somente será possível com ações preservacionistas capazes de conciliar o meio ambiente com a expansão econômica. É preciso atentar-se ainda para o fato de que o bioma em questão abriga a segunda maior biodiversidade em savana do mundo (só perde para a africana), com mais de 7 mil espécies vegetais e 1,5 mil animais. Não bastasse, a preocupação extrapola em muito a área do Cerrado, pois o que está em jogo é o equilíbrio ecológico do país.