Título: Corregedor apontará quebra de decoro
Autor: Taffner, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 26/04/2011, Cidades, p. 21

Flagrada recebendo dinheiro ilícito na campanha de 2006, Jaqueline Roriz (PMN-DF) sofrerá nos próximos dias a primeira derrota na Câmara dos Deputados. No parecer que apresentará durante reunião da Mesa Diretora, o corregedor, Eduardo da Fonte (PP-RN), afirmará que há indícios de quebra de decoro parlamentar e pedirá a abertura de processo disciplinar contra a deputada no Conselho de Ética. Será o segundo procedimento instaurado no órgão, mas o efeito desse será mais contundente do que o primeiro ¿ apresentado pelo PSol. Isso porque, se aprovado, o pedido de investigação será respaldado pelo presidente da Casa, Marco Maia (PT-SP), e pelos demais seis membros da mesa. A ação poderá resultar na cassação de Jaqueline Roriz poucos meses após a deputada assumir o primeiro mandato no parlamento federal.

Para a aprovação do parecer, é necessária a maioria simples dos votos. Segundo a defesa de Jaqueline, a análise da corregedoria está prejudicada, uma vez que já existe investigação em curso contra a deputada. No entanto, Eduardo da Fonte argumentará que o regimento não impede a instauração de dois processos. Com a alegação dos advogados da parlamentar superada, o corregedor pedirá o encaminhamento das denúncias ao conselho. A primeira trata do vídeo no qual Jaqueline e o marido, Manoel Neto, aparecem recebendo R$ 50 mil, em espécie, de Durval Barbosa.

A outra acusação refere-se ao uso da cota parlamentar de deputada federal para custear escritório político em sala pertencente à empresa de Manoel Neto. Jaqueline declarou ter gasto R$ 1,1 mil para manutenção do espaço localizado no Edifício Oscar Niemeyer, no Setor Comercial Sul. Sobre esse ponto, os advogados não apresentaram alegação e anexaram somente a cópia do documento entregue ao Conselho de Ética. Diante da inexistência de defesa formal na Corregedoria, Eduardo da Fonte também recomendará a investigação sobre a denúncia de suposta ilegalidade na aplicação da verba indenizatória.

Marco Maia ainda não confirmou a data da reunião da Mesa Diretora, mas a expectativa é que ocorra na manhã de quinta-feira. Caso contrário, será adiada para a próxima semana. A confirmação deverá sair hoje, após o encontro do Colégio de Líderes. O parecer de Eduardo da Fonte poderia ter sido apreciado antes pela mesa, mas o corregedor precisou prolongar o prazo para manifestação da defesa em cada uma das quatro vezes que houve apresentação de denúncia ¿ além do PSol, que fez duas acusações, pediram abertura de investigação a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o enfermeiro Ivan Rodrigues da Rocha.

Relevância Segundo o relator do processo no Conselho de Ética, Carlos Sampaio (PSDB-SP), o parecer da corregedoria tem um grande peso para o julgamento de Jaqueline Roriz. Um dos principais pontos, afirma, é a legitimação dos procedimentos. ¿É óbvio que é relevante para nós, porque é mais um órgão da Casa se manifestando a favor de um caso que enseja a aplicação da cassação, ou de outra medida administrativa. É importante para formar a unidade nesta Casa¿, afirma Sampaio.

Enquanto aguarda a definição da Mesa Diretora, o tucano procura dar agilidade ao processo em curso. Na semana passada, foram aprovados oitos requerimentos que visam fazer uma devassa no passado político de Jaqueline. Além de confrontar a defesa apresentada pela deputada, Sampaio quer verificar a evolução patrimonial da colega. Por isso, pediu as cópias das declarações de bens apresentadas por ela quando ocupava os cargos de deputada distrital e federal; as prestações de contas das campanhas de 2006 e 2010; os relatórios da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Codeplan, da Câmara Legislativa; e as declarações de Jaqueline em plenário sobre casos referentes às denúncias da Caixa de Pandora, como no processo de cassação da ex-distrital Eurides Brito (PMDB).

O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo, está negociando a realização de um dos acontecimentos mais esperados: o depoimento de Durval Barbosa. Na semana passada, ele obteve dos advogados do delator a confirmação do interesse do cliente em colaborar com a investigação. O único pedido é para que a oitiva ocorra de forma discreta, sem holofotes. Por meio de representantes, a subprocuradora-geral da República responsável pelo Inquérito nº 3.113, Raquel Dodge, deu sinal verde ao depoimento, desde que Durval não responda sobre temas sigilosos da Caixa de Pandora. Araújo cuida, agora, da logística, a fim de garantir a segurança do depoente. Para tanto, precisará acertar os detalhes com a Polícia Federal e a Polícia Legislativa da Câmara.

Versões conflitantes Em carta aberta, na única manifestação pública que fez sobre o assunto, a deputada confirma que o dinheiro repassado por Durval foi usado na campanha de 2006, mas não foi contabilizado na prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por sua vez, o delator disse, em depoimento ao Ministério Público Federal, que os recursos foram desviados de contratos do Governo do Distrito Federal no esquema de corrupção investigado pela Operação Caixa de Pandora, e que a deputada sabia da origem ilícita. O repasse teria sido autorizado por José Roberto Arruda (DEM) como propina para Jaqueline não fazer campanha em prol da opositora Maria de Lourdes Abadia (PSDB) na disputa pelo GDF.

Passo a passo Veja as etapas para análise de quebra de decoro na Câmara dos Deputados:

» A denúncia é apresentada por qualquer pessoa à Mesa Diretora. Depois de protocolado, o presidente da Câmara deve encaminhar o caso para análise da Corregedoria, comandada pelo segundo vice-presidente da Casa.

» Depois de analisar as acusações e a defesa do acusado, o corregedor apresenta parecer para apreciação da mesa. Se encontrar indícios de quebra de decoro parlamentar, ele pede a abertura de processo administrativo. O texto é votado e, se aprovado, segue diretamente para o Conselho de Ética.

» Apesar de estar em curso um processo ético contra a deputada, o conselho pode abrir outro com o mesmo tema. No caso de Jaqueline Roriz, a nova ação deverá ser encaminhada para o mesmo relator, Carlos Sampaio. Ele também terá de abrir novo prazo para a defesa, de cinco sessões plenárias.

» Depois de receber as explicações da defesa, o relator passa para a fase da instrução probatória e, para tanto, solicita informações adicionais aos órgãos competentes e convida testemunhas a depor. Com todos os dados em mãos, deve ser elaborado o relatório para apreciação do órgão formado por 15 conselheiros.

» O Conselho de Ética pode aplicar diversos tipos de punição, como censura verbal, suspensão do mandato e expulsão. Nos dois últimos casos, o relatório deve ser votado em plenário, pelos 513 deputados. Para a cassação, são necessários 257 votos favoráveis. Caso contrário, o parlamentar é absolvido.