Título: Presidência do Cade ainda sem sucessor
Autor: Rivadavia Severo
Fonte: Gazeta Mercantil, 23/07/2008, Direito Corporativo, p. A10

A economista Elizabeth Farina encerra, nesta semana, a sua gestão na presidência do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade). Nesta entrevista, ela reclama da lentidão do governo para nomear novos conselheiros e da demora para a aprovação da nova lei para o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Elizabeth Farina também se diz preocupada com a tentativa de ingerência de empresas nas indicações para o Cade e diz que o atual modelo de troca de conselheiros é ruim, porque muda muitos ao mesmo tempo, o que desperta incertezas no mercado. Ela também é categórica ao afirmar que empresas que não querem competir aqui no Brasil, terão dificuldades de fazer isso lá fora e diz entender que o governo deve fazer política industrial, como no caso da compra da Brasil Telecom pela Oi, mas alerta que a concentração não é boa para os usuários. Ela revela que, no seu período de quarentena, vai escrever um livro, contando a sua experiência no Cade. Gazeta Mercantil - O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência está parado no Congresso. Existe algum problema político? Eu não sei. De 2005 a 2007, não aconteceu nada. O executivo mandou para a Câmara e lá ficou. No começo de 2007, o projeto passou a fazer parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), dentro da melhoria do ambiente de negócios, o que me deixou muito satisfeita. E aí se formou a Comissão Especial, sob a presidência do deputado (Claudio) Vignhati (PT-SC) que fez um trabalho magnífico. Tinha um relator com nome de peso, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE). Várias pessoas foram ouvidas. Acho que tem uma dificuldade, em geral, de fazer esses processos andarem, porque não é o único. Gazeta Mercantil - Quem é o responsável por esse atraso na aprovação do Sistema Brasileiro da Concorrência? É uma questão do Legislativo. Nada que o Executivo possa fazer. O que o Cade poderia fazer é explicar o máximo possível todos os elementos que estavam ali no projeto. Discutir com os deputados, participar da comissão de todas as discussões, estar sempre pronto para tirar dúvidas. Isso tudo a gente fez. Com muito apreço. Não foi possível, mas se avançou bastante no sentido de que o projeto foi aprovado na Comissão Especial da Câmara e foi para o plenário. Agora, o próximo presidente empurra mais um pouquinho. Quem sabe ele tem mais sorte no momento do Legislativo para que isso seja aprovado da maneira que está ou com alguma modificação. Gazeta Mercantil - Qual a maior resistência ao projeto então? Quanto ao redesenho não há. É tão óbvio que o atual desenho não é bom que já há um diagnóstico neste sentido. O ponto de resistência é quanto a análise prévia dos atos de concentração. Uma preocupação do empresariado que também acho legítima. O empresariado se pergunta: quem me garante que isso não vai ser mais uma burocracia a entravar as estratégias das empresas brasileiras? A única maneira de convencer o administrado de que somos capazes de fazer uma análise prévia sem gerar uma fila de trânsito na portas do Cade é ganhando celeridade. Em quatro anos reduzimos a menos da metade o tempo dos processos no Cade e também no Sistema. Mas a gente é muito mais lento na área de conduta. Realmente temos que melhorar o nosso processo de investigação, instrução e decisão. Mas acho que mostramos que somos capazes, mesmo com os recursos franciscanos que dispomos, se compararmos com outras agências no mundo, de ganhar eficiência e celeridade. Gazeta Mercantil - A análise prévia poderia ser negociada? Não. Sem a análise prévia é melhor que fique tudo como está. Ela é o coração do Sistema. O projeto é formado da reestruturação do Sistema dentro de uma autarquia e da análise prévia. Isso é o projeto. Se tirar um pedaço, fica capenga. Já temos um diagnóstico muito consolidado que podemos ganhar muita eficiência e eficácia com o redesenho. Gazeta Mercantil - A troca no comando do Cade, com a entrada de cinco novos conselheiros não pode causar uma descontinuidade nas ações do órgão? Eu acho que esse é um problema seríssimo. Mesmo no âmbito da lei atual não é necessário que seja assim. Há que se pensar uma maneira de alterar esse estado de coisas. Durante oito anos o Conselho ficou com seis membros. Em alguns períodos com cinco. Só em janeiro de 2006, quando o conselheiro (Paulo) Furquim tomou posse e completou o quadro de sete. Gazeta Mercantil - A senhora falou das dificuldades que as mudanças geram para o Cade. O próprio Arthur Badin, que está indicado para sucedê-la, está enfrentando resistências políticas no Senado, sabidamente do DEM e de empresas como a Votorantim, Nestlé, Vale, etc. Essas pressões comprometem a autonomia do órgão? Acho que é muito ruim para o Sistema a troca de cinco conselheiros em sete. Porque você cria uma insegurança para o administrado. O ideal seria que se trocasse um ou dois. O conselheiro Enéas de Souza está aprovado na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos do Senado) e no plenário do Senado que é quem aprova os mandatos. O resto é tudo indicação. Ainda que seja indicado pelo ministro da Justiça, da Fazenda, da Casa Civil que, na verdade, só sugerem, porque quem indica mesmo é o presidente da República. Não tem necessidade nenhuma para que o conselheiro Enéas não tenha tomado posse. A sessão do conselheiro Enéas demorou para chegar, porque teve um problema no governo Rio Grande do Sul, mas tem um mês que está em Brasília. Qual é a razão disso? Dá abertura para uma porção de especulações que se fizeram na imprensa e que eu não tenho a menor idéia se tem razão de ser ou não. É ruim para o Sistema e para ele. Agora temos mais três que estão sabatinados e aprovados. Espero que a nomeação seja muito célere, para que não fiquemos sem quorum. Dia 27 eu e (Luis Fernando) Rigato saímos. Nesse momento, se o conselheiro Enéas não tiver tomado posse, o conselho não tem mais quorum. Gazeta Mercantil - E a questão política. A pressão das empresas. E a acusação de que cada vez mais as nomeações para o Cade são políticas? Isso a imprensa está falando muito. Deixa eu falar sobre a reação das empresas. O procurador-geral do Cade não toma decisão. A procuradoria opina, representa o conselho no Judiciário. A função dele é preservar a decisão do Cade. Então se a Vale do Rio Doce não gosta do procurador não é do procurador que ela tem que gostar. Não tem que gostar desse conselho que saiu, porque fomos nós que tomamos essa decisão. Se alguém for condenado por formação de cartel, abuso de posição dominante é o conselho que vota. Acho uma lástima que uma empresa tenha condições de vetar ou indicar conselheiro, presidente, secretário ou procurador. Parece um erro de diagnóstico. O presidente do Cade tem poderes com restrições muito razoáveis. Ele tem um voto. Se olharmos as últimas decisões que impuseram multas, condenaram empresas, impuseram restrições mais brandas ou mais fortes a atos de concentração, dificilmente você pega uma decisão no Cade que seja unânime. É natural que seja assim. Gazeta Mercantil - E esses comentários sobre a idade dos conselheiros na faixa dos 30 anos. A senhora acha que é preconceito ou ... Eu fui treinada quatro anos aqui para aplicar a lei. Diz a lei que pode assumir o cargo de presidente ou conselheiro qualquer pessoa com 30 anos e saber jurídico ou econômico. Isso é uma decisão do legislador que em uma sociedade democrática representa os seus eleitores, o povo. Eu não tenho competência para discutir isso. Você pode ter gente de cabelo branco, muita experiência e que não tem empenho. E às vezes você tem uma pessoa jovem que quer muito aquele cargo que tem projetos e que consegue galvanizar o interesse do colegiado. É fraco esse argumento. A procuradoria-geral não faz nada sem que o conselho tenha feito antes. Fracamente estão pondo a culpa em quem não tinha sequer a competência legal para fazer isso. Qualquer presidente que venha a assumir esse cargo tem que fazer um trabalho sempre muito próximo com a procuradoria, porque as decisões que implicam condenação ou restrição, são levadas ao Judiciário. Gazeta Mercantil - E o aumento da politização na escolha dos conselheiros? Eu não participei da indicação dos conselheiros. Então não sei qual foi o processo que levou a esses nomes. Só sou capaz de analisar fatos, talvez por vício da minha profissão. Quando eu olho o nome de cada um eu vejo que o (Carlos) Ragazzo veio da (Sead) Secretaria de Acompanhamento Econômico, tem uma pós-graduação em direito, já conhece faz tempo o Sistema. Tem experiência apesar de ser jovem. O Olavo (Chinaglia) é um advogado que atua no sistema talvez há quase uma década, ele é jovem também, já atuava no Sistema quando eu ainda era pesquisadora e professora. Foi meu aluno. Todo mundo fala que ele é filho do (Arlindo) Chinaglia, mas para mim ele foi meu aluno, fez todos os deveres e me pareceu uma pessoa com uma formação muito boa. Com o Vinícius (Marques de Carvalho) tive um contato com ele porque quando ele passou para o concurso de gestor ele veio para o Cade e porque tinha uma experiência junto ao Senado, uma formação de direito muito sólida. É jovem, mas tem uma tese na área de regulação que tem justaposição com o trabalho do Cade. Eles são muito jovens, acho que eles farão muito melhor para eles próprios se eles fizerem um trabalho técnico aqui. Gazeta Mercantil - O novo conselho do Cade terá que julgar casos como a compra da Brasil Telecom com a Oi que é um projeto do governo. O BNDES e o Banco do Brasil emprestaram dinheiro para a Oi. Esse envolvimento do governo na formação dessa empresa de alguma forma pode prejudicar a concorrência? Genericamente posso falar em meu nome e não pelo conselho do Cade. Pelas decisões que tomamos o que posso dizer é que este não foi um elemento que influiu nas nossas decisões. Não acredito em ganhos de competitividade internacional sem que tenha concorrência no mercado doméstico. Empresa que não está acostumada a competir aqui, não vai competir bem lá fora. Quem tem mandado para fazer política industrial tem que fazer. Existem maneiras de estimular empresas que são perfeitamente consistentes com o ambiente saudável de concorrência dentro do país. Agora são escolhas políticas. O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência depende de orçamento do governo. A dotação de pessoal depende do ministério do Planejamento. Embora a gente diga que política da concorrência é uma questão de Estado e não de governo. O fato é que o governo tem ingerência sim de quanto recurso ele coloca naquele órgão. Agora, nesta composição, ninguém usou isso como razão para decidir. Posso dizer, com muita segurança, que a influência política nas decisões aqui no Cade foi zero. Gazeta Mercantil - A senhora falou da advocacia da concorrência. Na sabatina, o Olavo Chinaglia disse que o Cade deveria ter uma tendência mais para a advocacia da concorrência ao invés do combate aos cartéis e atos de concentração. A senhora acha que é o momento para ter essa mudança de foco? Não. Acho que não foi o Olavo, foi o Ragazzo que falou isso. Acho que está errado na avaliação. A gente está longe de ter atingido o desejável na área de combate a cartéis e de melhoria da celeridade e da eficácia na área de controle de atos de concentração. Melhoramos muito, mas ainda temos um caminho longo para percorrer, no sentido de colocar os recursos parcos que temos. Francamente acho que a advocacia é super importante, mas ainda não estamos prontos para direcionar uma grande parte dos recursos do Sistema para a advocacia. Gazeta Mercantil - Quais os principais avanços e entraves que a senhora encontrou na sua gestão à frente do Cade nesses quatro anos? Estou saindo satisfeita. Lógico que tenho frustrações. Talvez a maior tenha sido não poder contar com a aprovação da lei de Reforma do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Já que eu fui recebida pelo ministro Márcio Thomaz Bastos na minha posse dizendo que havia sido convidada para implantar o novo Sistema. Mas ganhamos celeridade, transparência, consistência, um regimento interno mais completo. Precisamos digitalizar os processo e isso só vai poder ser feito quando o novo sistema for reformado. Porque com um órgão no Ministério da Fazenda, outro órgão no Ministério da Justiça e outro órgão em uma autarquia, a conversa eletrônica exige uma coordenação que é muito difícil de obter, do ponto de vista técnico mesmo. Só vamos conseguir isso quando tivermos uma coordenação única e não três diferentes. Quarta (hoje) vamos aprovar no Conselho do Cade um formulário novo de notificação eletrônica, mas que só vai entrar em vigor quando tecnicamente for possível você apresentar um ato de concentração eletronicamente. Gazeta Mercantil - No dia 27 de julho a senhora está deixando o Cade. Quais são os seus projetos profissionais? Voltar a dar aula na Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo e no período de quarentena escrever um livro, com assessores aqui do Cade, sobre a experiência de uma economista na presidência de um tribunal. Mesmo que seja um tribunal administrativo. Gazeta Mercantil - Já tem editora? Não. Primeiro preciso ter o livro.