Título: A ética na política monetária
Autor: Eduardo B. F. Perillo e Maria Cristina Amorim
Fonte: Gazeta Mercantil, 17/09/2004, Opinião, p. A-3

A equipe do governo crê que a maioria ganha com as atuais taxas de juros?. O noticiário econômico revela a tensão entre a retomada do desenvolvimento econômico e as características recessivas da política monetária iniciada no governo FHC e continuada no governo Lula. Entender as relações entre teoria econômica e ética ajuda o brasileiro preocupado com seu futuro e com o do País a posicionar-se nesse debate.

Do final do século XVIII até meados do século XX, a teoria econômica ortodoxa vem se empenhando em configurar-se como ciência, esta, por sua vez, entendida como verdade absoluta e, sobretudo, incontestável: questionar a validade da ciência é prova de ignorância, obscurantismo ou má-fé. Desde os anos 20, no entanto, a ciência perdeu a pretensão de verdade única. Atualmente, afirmar que a expressão "científico" é sinônimo de verdadeiro é evidência de obsolescência teórica ou má-fé.

Qualquer economista sabe que o núcleo da teoria econômica, qualquer que seja o modelo, paradigma ou programa de pesquisa, é um conjunto de valores, de pressupostos filosóficos sobre o comportamento das pessoas, sobre formação de valor e preço, sobre o mercado. Não há evidências empíricas para sustentar a validade das teorias (não sofram, senhores: as demais ciências também são assim). E sabe também que a determinação de políticas econômicas impõe perdas e ganhos para os diferentes agentes: se tributamos determinados setores, estes perdem; se destinamos a arrecadação tributária para outros setores, estes ganham. Não obstante, o debate (?) sobre o tema, dominado por interesses bem localizados, lamentavelmente apresenta as atuais medidas de política econômica como se fossem verdades científicas inquestionáveis, caminho único para resolver problemas.

De posse de uma visão de ciência econômica há muito insustentável, o Comitê de Política Monetária (Copom) aumenta a taxa de juros Selic. Há um esforço evidente em procurar legitimar, por meio de uma suposta ciência econômica, medidas recessivas causadoras de sérios danos para a maioria da população. Diante dessa situação, convém lembrar, tanto aos cidadãos comuns quanto aos responsáveis pela política econômica: a ética faz parte da ciência, de qualquer ciência, particularmente da ciência econômica.

Cientes de tornar simples o complexo, definimos ética como a reflexão sobre as conseqüências das nossas atitudes a curto, médio e longo prazo para a nossa felicidade e a dos demais. Se a ciência econômica, como todas as demais, não encerra uma verdade absoluta, se a determinação de políticas econômicas arbitra perdas e ganhos, será que a equipe do governo está convencida que as taxas de juro nos níveis extorsivos procura propiciar ganhos para a maioria dos brasileiros? Será que esses doutos senhores dão-se ao trabalho de pensar sobre as conseqüências de médio e longo prazo para a sociedade (pois as de curto já estão à vista) do prolongamento para mais de uma década da transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos?