Título: O PSDB e seus dilemas
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 27/04/2011, Política, p. 5

Deve mesmo ser complicado para alguém com os atributos de personalidade de FHC saber-se um ex-presidente com avaliação tão negativa depois de ter estado nas graças de todo o país como brilhante vencedor da luta contra a inflação

Em seu já famoso texto a respeito dos desafios da oposição, publicado há três semanas na revista Interesse nacional, Fernando Henrique Cardoso sugere que o PSDB precisa reinventar-se, seja no plano programático, seja em sua inserção social.

A parte mais conhecida do artigo é a que trata da segunda questão, na qual FHC propõe uma reconsideração do ¿público a ser alcançado¿ por seu partido. É nela que aparece a frase que mais discussões suscitou.

Embora não dissesse, em nenhum momento, que o PSDB devia ¿se esquecer do povão¿, é isso que ficou. Seu argumento era outro: para ele, as oposições não deviam permanecer em uma eterna queda de braço com o PT pela simpatia do ¿povão¿ e dos movimentos sociais, pois era uma disputa desigual, dado o poder de persuasão e a capacidade de cooptação do governo (ou seja, do próprio PT). Tendo em uma das mãos o Bolsa Família e, na outra, o controle das centrais sindicais e dos movimentos populares organizados, era uma briga da qual o PT sairia sempre vencedor.

Na opinião do ex-presidente, o PSDB deveria voltar-se para outros segmentos da sociedade, sub-representados e silenciosos. Seria um terreno mais fértil, formado por ¿toda uma gama de classes médias¿: ¿Novas classes possuidoras¿, ¿profissionais das atividades contemporâneas ligadas à TI e ao entretenimento¿, ¿aos novos serviços espalhados Brasil afora¿. Além desses, ¿o que vem sendo chamado `classe C¿ ou nova classe média¿.

Ou seja, não é que o PSDB devesse abdicar do ¿povão¿, mas constatar que havia todo um Brasil sem voz a atrair. Esse seria o ¿público a ser alcançado¿.

É fácil enxergar no artigo a mágoa de FHC com a ingratidão do ¿povão¿. O tom depreciativo e pouco simpático que adota (¿massas carentes e pouco informadas¿, ¿benesses às massas¿, a própria palavra ¿povão¿, etc.), típico do pensamento elitista, sugere a decepção de quem, um dia, se achava adorado e, em outro, se viu desprezado. Deve mesmo ser complicado para alguém com seus atributos de personalidade saber-se um ex-presidente com avaliação tão negativa depois de ter estado nas graças de todo o país como brilhante vencedor da luta contra a inflação.

E o pior é que o ¿povão¿ foi traí-lo justo com seu maior inimigo, o PT. Não foi apenas que ele caiu, mas que outros subiram.

Nada mais compreensível, portanto, que usasse uma maneira ambígua ao falar sobre o que seu partido deveria fazer em relação às ¿massas carentes¿: parecia que recomendava que as ignorasse, corrigiu-se (quando até seus companheiros estranharam a declaração), mas não convenceu. Talvez por não fazer sentido que um autor com sua experiência literária se confundisse tanto com as palavras.

O fato é que FHC propôs a seu partido que olhasse para diante, em busca de um novo Brasil, desvencilhando-se dos ingratos ou não. E aí temos um paradoxo.

A seção do artigo destinada à discussão programática é adequadamente intitulada ¿refazer caminhos¿. É isso que FHC propõe às oposições: que voltem a seu governo para redescobrir o que de bom ocorreu. Para ele, foi a falta de defesa de suas realizações que permitiu que o PT surrupiasse os sucessos e deixasse para elas os fracassos: crise cambial, apagão, etc.

Mas como pretender ser a voz do novo Brasil e suas ¿novas classes médias¿ se o discurso é antigo? Se consiste em uma revisão do passado com vistas a reabilitá-lo?

FHC tem, no entanto, razão, por paradoxal que seja sua proposta. Pois não é possível ao PSDB de hoje falar como falavam seus militantes quando eram parte da frente anti-autoritária ou ser o que o PT foi até 2003. Assim como não será possível ao PT ser o que foi um dia depois que sair do Planalto.

A opinião pública não vê um partido que foi governo com os mesmos olhos que encara uma proposta nova. Perde o direito a se inventar e a se apresentar como novidade. Para o bem e para o mal, sua identidade está definida.

O que pode é rejuvenescer. O que exige disposição para aposentar quem simboliza o passado.