Título: Bolsa de Xangai deve seguir com ajustes
Autor: Carvalho, Jiane
Fonte: Gazeta Mercantil, 31/07/2008, Finanças, p. B1

A crise no mercado hipotecário americano, com redução da liquidez dos mercados e a menor perspectiva de crescimento global, tem derrubado o desempenho do mercado acionário. No acumulado do ano, boa parte das bolsas de valores trabalham no vermelho. Mas uma bolsa em particular, a de Xangai, se destaca pelo tamanho de sua queda em 2008, quase na mesma magnitude das duas altas consecutivas registradas nos últimos anos. Enquanto em Wall Street os índices Dow Jones e S&P 500 amargam 12 % de queda no ano, Xangai tem baixa de 46%, muito acima de outras bolsas asiáticas como Tóquio, queda de 12% e Hong Kong - também na China, mas liberalizada há muito tempo - com recuo de 18%. A Bovespa, por exemplo, tem uma queda em 2008 bem menor, de 6%. Algumas características particulares da Bolsa de Xangai, assim como uma iniciativa do governo chinês, em 2007, para evitar movimentos especulativos, explicam o descolamento desse mercado em relação a outras bolsas. "O ajuste na Bolsa de Xangai é maior porque a bolha especulativa que vinha se formando nos últimos anos está desinflando rápido", explica Hsia Hua Sheng, professor da FGV-SP e consultor financeiro da Maps RMS. "O governo se antecipou a um movimento especulativo que poderia se acentuar muito e, no ano passado, baixou regras que contivessem os excessos, resultando na forte queda deste ano." De fato, nos últimos dois anos, o desempenho da bolsa de valores do gigante asiático tem chamado a atenção. A Bolsa de Xangai teve uma valorização de 96% em 2007, e de 130% no exercício anterior, muito acima do desempenho de Wall Street, Paris, Londres ou Frankfurt. Havia um medo, externado por muitos economistas, em particular pelo ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, de que a possível correção resultasse em dificuldades para a riqueza das famílias chinesas. Isso poderia levar, na opinião de Greenspan, o governo do país a ser tentado a recorrer a suas reservas para dar sustentabilidade ao mercado e evitar desordens sociais. Isso não ocorreu graças a iniciativas do governo e da própria bolsa. Desde setembro do ano passado, foram criadas regras que, em linhas gerais, permitem à Bolsa de Xangai suspender o pregão ou a negociação de um determinado papel se a oscilação for considerada fora do padrão. Uma das regras, por exemplo, permite que o pregão de Xangai possa suspender a cotação durante 30 minutos daqueles títulos que subam mais de 100% ou caiam mais de 50% em relação ao preço de abertura. As medidas da bolsa se juntaram a outras, adotadas pelo governo e que encareceram os negócios com ações, para conter a especulação. "Houve um aumento do custo para atuar na bolsa, o que também ajudou a controlar os excessos", diz Sheng. "Isso tudo, somado à perspectiva de menor crescimento global resulta na queda muito forte de Xangai", completa Sheng. Desde que a crise das hipotecas subprime ganhou corpo, no ano passado, o crescimento global tem recorrentemente sido revisto para baixo. Segundo o FMI, o crescimento da China deve desacelerar dos 12% em 2007 para 9,7% este ao e 9,8% em 2009. "Esse movimento afeta as perspectivas das empresas, o que desestimula o investimento nas ações, colaborando para a queda em Xangai." Outro fator que também leva a uma correção maior das ações em Xangai é o tipo de investidor na bolsa. "A presença do investidor pessoa física lá é muito maior do que em outros mercados, o que fez a alta tão forte dos últimos anos, mas agora também ajuda na baixa", diz Roberto Nishikawa, presidente da Itaú Corretora. "Enquanto no Brasil há 700 mil pessoas físicas investindo em ações, na China esse número chega 120 milhões." A grande participação dos investidores pessoa física na Bolsa de Xangai está ligada aos juros locais próximos de zero, que desestimulam o investimento em renda fixa, o oposto do que ocorre no Brasil. Pessoa física "A menor participação de investidores institucionais, que pensam no longo prazo, ajuda na volatilidade de Xangai", afirma Sheng. Outro fator citado pelos analistas é a presença muito pequena de estrangeiros. "São recentes as normas que facilitam a presença de estrangeiros na bolsa chinesa, o que torna Xangai muito particular", diz Nishikawa. "É um mercado mais descolado dos demais, o que evita também um contágio mais forte de outras bolsas, o que neste momento é positivo." O investidor estrangeiro não pode atuar direto na bolsa, apenas utilizando uma conta especial no País. "As mudanças para abrir o mercado chinês são recentes e ainda não conseguiram atrair um grande numero de estrangeiros", completa Nishikawa. Embora parte do ajuste já esteja em curso, analistas consideram imprevisível o horizonte de tempo e o tamanho do ajuste. "Não dá para saber até onde a Bolsa de Xangai seguirá em queda, há muitas incertezas globais que pesam no mercado de ações", diz Sheng, da Maps. Nishikawa, da Itaú Corretora, concorda. "Muito do ajuste já ocorreu, mas uma recuperação de Xangai, ou mesmo de outras bolsas pelo mundo, depende de uma melhora no cenário econômico, o que ninguém sabe quando ocorrerá."