Título: Ajuste fiscal de má qualidade pode limitar crescimento a 4%
Autor: Cavalcanti, Simone
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/08/2008, Nacional, p. A5

O desalinhamento entre as políticas fiscal e monetária em um ambiente de inflação ascendente por pouco não se assemelha a enxugar gelo. Aumentos salariais para o funcionalismo público, reajustes reais para o salário mínimo e para o programa Bolsa-Família injetam na veia da economia combustível que mantém a demanda aquecida. Na outra ponta, o Banco Central eleva a taxa de juros justamente para esfriar essa mesma demanda. Esse movimento dicotômico gera um custo alto para a sociedade: o arrefecimento da economia brasileira em proporções maiores do que deveria. Economistas ouvidos pela Gazeta Mercantil dizem acreditar que, a continuar nessa toada, o Brasil pode estar fadado a limitar o seu crescimento a até 4% pelos próximos anos. "Esse é um problema claro para o longo prazo. A participação do Estado na economia precisa ser reduzida sob o risco de não conseguirmos superar taxas de crescimento de 4%", sustenta Leonardo Miceli, da equipe de economistas da Tendências Consultoria Integrada. Se houvesse maior contribuição do governo em relação ao corte de gastos, menor seria a carga de juros necessária. "Há um mix desequilibrado com peso excessivo no papel de desacelerar a economia", ressalta Rodrigo Azevedo, atual sócio da JGP Gestão de Recursos, que assumiu a diretoria de Política Monetária do BC em 2004, quando teve início o ciclo de alta do juro que se estendeu até dezembro de 2005. "Quando você está sentado lá no Banco Central sempre deseja maior contribuição da política fiscal. Nunca é o suficiente", ressalta Azevedo Sem a contrapartida necessária, na reunião deste mês, o Comitê de Política Monetária (Copom) apertou ainda mais o cinto, elevando a taxa Selic em 0,75 ponto percentual (p.p.), para 13% e levou os analistas a esperarem juro em torno de 15% ao ano já em dezembro próximo. Poucos dias depois da decisão do colegiado do BC, o ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo, já anunciava mais quatro reajustes para os servidores públicos federais, que custarão aos cofres públicos R$ 11,5 bilhões a mais a cada ano. O aumento salarial será concedido a 350 mil funcionários e encerra a rodada de correções para 1,7 milhão de pessoas que trabalham no setor público. Para que a redução de gasto ajudasse a controlar a inflação seria necessário que o crescimento real das despesas fosse nulo ou, pelo menos, menor que o crescimento do Produto. No primeiro semestre do ano, a taxa real de crescimento dos gastos do Governo Central foi de 5,2%, abaixo da média de 9,5% observada entre 2004 a 2007, nota a equipe de economistas do banco Itaú. Como a expansão da atividade econômica permite naturalmente maior arrecadação de tributos, a sobra está sendo usada para cumprir os princípios da linha política, o que torna difícil a mudança de situação. Segundo Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, ajudaria muito se o governo não continuasse instigando a demanda com reajuste de funcionalismo e os aumentos reais para os programas sociais. "Mas é difícil porque o pensamento do governo é estruturado para o contrário." "O presidente Lula tem dificuldade de cortar. Esse é o drama", complementa Raul Velloso, especialista em contas públicas. "Além disso, ninguém quer ter desgaste com os próprios beneficiários do gasto público." Muito embora possa ser vista certa desaceleração do aumento dos gastos como proporção do PIB entre janeiro e junho deste ano, Vale analisa que não parece ser um ajuste permanente, mas, sim, um efeito do medo que a perda da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) causou no final do ano passado. Isso fez com que uma quantidade razoavelmente alta de gastos fosse liberada em dezembro, afirma. De acordo com sua análise, os gastos em proporção do PIB estão hoje em proporção semelhante ao apurado em setembro e outubro do ano passado. Além disso, o próprio atraso da aprovação do Orçamento também impediu a liberação de gastos sazonalmente comuns no primeiro semestre. A anomalia de gastos em alta não está restrita ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. É uma questão histórica brasileira. No último mandato de Fernando Henrique Cardoso, as despesas correntes com pessoal e encargos, em valores corrigidos pelo IGP-DI, passaram de R$ 123,44 bilhões, em 1999, para R$ 126,01 bilhões em 2002. Sérgio Vale nota que em 2003 houve um ajuste, mas no ano seguinte as despesas voltaram a acelerar comandadas pela receitas em alta constante. "Até agora que estava tudo bem, o fiscal desregulado passa desapercebido, mas com a possibilidade de déficits maiores em conta-corrente, a resposta pode vir via câmbio e de uma forma mais rápida, trazendo mais inflação e achatando o crescimento", afirma.