Título: Só MP põe a soja transgênica na lei
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Gazeta Mercantil, 17/09/2004, Política, p. A-8

Senado Federal adiou a votação da Lei de Biossegurança para após a eleição de outubro. Resta agora ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinar uma medida provisória (MP) autorizando o plantio de soja transgênica na safra 2004/2005, que começa a ser cultiva em outubro, se desejar que os produtores do grão trabalhem dentro da legalidade. Ontem à noite, o Palácio do Planalto disse em nota que não tem intenção de editar a MP. Mas parlamentares da base aliada dão como favas contadas o uso da caneta do presidente para regulamentar o assunto, como ocorreu no ano passado.

"A edição da medida provisória tem o apoio do Senado Federal. Os produtores têm todo o direito de cobra-la e devem cobra-la", disse o líder do governo na Casa, senador Aloizio Mercadante (PT-SP), referindo-se à tentativa fracassada do Congresso Nacional de votar a nova Lei de Biossegurança antes do início da próxima safra. No Senado, o texto está tramitando há oito meses. Se aprovado, terá de retornar à Câmara dos Deputados, cuja pauta está trancada por mais de uma dezena de MPs, problema que é criado pelo próprio Executivo federal.

O presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto, afirmou que engrossará as fileiras dos parlamentares para pressionar o presidente Lula a assinar a medida provisória. E acrescentou que haverá plantio de semente de soja geneticamente modificada com ou sem autorização legal para tanto. "O produtor é dono de seu nariz e vai fazer o que bem entender. Ele não é advogado e tem uma atividade econômica a cumprir", declarou Sperotto.

A expectativa dos produtores é colher 64 milhões de toneladas de soja em 2005. Vice-líder do governo e relator da nova Lei de Biossegurança, o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) retirou o projeto da pauta ontem devido a um trabalhador de bastidor que uniu ruralistas, ambientalistas e religiosos contra o texto. A ponta-de-lança da articulação foi a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), expulsa do PT em dezembro de 2003. Ao chegar ao plenário do Senado, Heloísa percebeu que a sessão fora aberta com o quórum do dia anterior ¿ 74 senadores.

Foi uma manobra heterodoxa acertada pelas lideranças do partidos a fim de assegurar a votação da matéria ontem. Os líderes temiam a debandada dos senadores de Brasília para os respectivos currais eleitorais na quinta-feira de manhã. Bingo. Apesar de o painel eletrônico anunciar a presença de 74 parlamentares, menos de 40 estavam no plenário. Heloísa então pediu verificação de quórum. Como a presença mínima para votar um projeto é de 41 senadores, Suassuna e os demais integrantes do governo decidiram retirar o projeto da pauta.Se houvesse a verificação do quórum e o número mínimo não fosse registrado, a sessão do Congresso de ontem à tarde, que aprovou a liberação de R$ 30 milhões à Justiça Eleitoral, também não seria realizada. "Não temos o número suficiente de senadores para realizar um debate adequado da matéria", afirmou Suassuna no plenário. Depois, dizendo-se frustrado, apoiou a edição da MP. "O placar nas comissões mostra que o texto será aprovado no Senado", complementou. Líderes do governo desejava a aprovação do projeto pelo menos no Senado para ter respaldo moral para baixar a medida.

Entre deputados da bancada ligada ao agronegócio, o simples fato de o texto ser aprovado pelos senadores era o suficiente. O argumento era de que mesmo que a Câmara não votasse agora, depois da eleição a maioria da base aliada garantiria a aprovação. Ou seja, os produtores plantariam sem lei outra vez, como ocorreu em 2002, com Fernando Henrique Cardoso. E que provocou a edição de uma medida provisória, logo que assumiu, para permitir a comercialização.

De acordo com a senadora Heloísa Helena, o adiamento da votação é uma demonstração "clara e inconteste" da falta de entendimento sobre o assunto na Casa. O leque de senadores que a apoiaram no pedido de verificação de quórum dá bem a dimensão do problema. Alegando motivos religiosos, Paulo Octávio (PFL-DF) pediu mais tempo para analisar questões como a possibilidade de pesquisas com células-tronco de embriões humanos. Até senadores do PT, como Serys Slhessarenko (MT), querem recuperar o texto aprovado na Câmara, negociado com o Planalto e mais ao feitio da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Já parlamentares com interlocução direta com produtores, como os gaúchos Pedro Simon (PMDB) e Sérgio Zambiasi (PTB), deixaram claro que é preciso mais tempo para estudar a questão. Os ruralistas não gostaram da decisão de Suassuna de permitir recurso contra as decisões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) sobre transgênicos ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), órgão a ser formado por 11 ministérios. Querem uma decisão técnica, e não política. Ao mesmo tempo, consideram "desastroso" o texto da Câmara.

Como disse o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), um dos principais interlocutores dos ruralistas, é melhor editar a MP, deixar de lado a nova Lei de Biossegurança e privilegiar a legislação atual, de 1995. "Votar em cima da perna é um absurdo. Até hoje (ontem), não há um parecer definitivo, e nós precisamos saber o que votar", disse Simon. "A MP sairá", arrematou o parlamentar.