Título: Unctad chama atenção para câmbio
Autor: Gisele Teixeira
Fonte: Gazeta Mercantil, 17/09/2004, Internacional, p. A-9

Relatório diz que controle de capital de curto prazo é um desafio para América Latina. O documento "Trade and Development Report 2004", divulgado ontem pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), aponta uma série de desafios aos países em desenvolvimento, em especial aos da América Latina. Entre eles estão o maior controle do fluxo de capital de curto prazo e a adoção de uma taxa de câmbio atraente para o comércio exterior no longo prazo, que conserve uma margem de manobra para que possa ser alterada diante de choques externos. Lidar com estas duas questões é "a única saída" para países que têm uma inflação ou um crescimento elevados e que não são membros de uma união monetária regional, afirma a Unctad.

A lista de problemas a serem resolvidos pela América Latina inclui ainda a pouca integração entre o setor exportador e o resto do economia, a fraca demanda doméstica, a alta dívida pública e a vulnerabilidade externa. Segundo o texto, a superação destes desafios é importante para que região possa a aproveitar o crescimento iniciado em 2003, e que deve superar os 4% este ano. Esse percentual se dará principalmente em função da melhora das economias da Argentina, Brasil, México e Venezuela.

De acordo com a Unctad, a América Latina começa a ver aberta agora uma janela de oportunidades para uma política econômica mais pró-ativa, que deverá sustentar a recuperação dos investimentos. Por outro lado, tem de lidar com um legado de um longo período de baixo dinamismo, instabilidade e concentração de renda.

Situação animadora

A situação da economia mundial foi classificada como mais animadora do que há um ano atrás, porém nebulosa, se comparada com a do início dos anos 90. Há um temor de que a alta nos preços do petróleo e pressões sobre o dólar levem a uma instabilidade e a um freio no crescimento.

Para este ano, a expectativa da Unctad é de que a economia mundial cresça 3,8%, ante 2,6% em 2003. O crescimento vem sendo liderado pela economia norte-americana e pela expansão acelerada do leste e sul da Ásia. Mas, segundo a Unctad, a instabilidade também poderá surgir como conseqüência do intercâmbio, cada vez maior, entre essas duas partes.

Temor

O relatório cita que os países da Ásia oriental estão reinvestindo seus excedentes diretamente nos Estados Unidos, financiando uma grande parte do déficit de conta corrente e fiscal dos americanos, mediante a compra de títulos do Tesouro. "É uma bicicleta que tem que continuar sendo pedalada, sob pena de não se saber onde ela vai parar", comparou ontem, em Brasília, o diretor da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal), Renato Baumann. Ligada às Nações Unidas, a Cepal foi a responsável por apresentar o relatório no Brasil.

Segundo Baumann, há temor de que essa relação entre a Ásia e os EUA não se sustente no longo prazo, sobretudo em função de pressões sobre o dólar, o que poderia fazer com que os bancos centrais asiáticos minimizassem seus riscos e migrassem para ativos de outras moedas, como o euro.

O relatório destaca o bom desempenho da economia japonesa, que deve crescer 4,3% neste ano, ante 2,5% no ano passado. A expansão se deve em especial ao aumento das exportações, investimento e consumo privado.

A performance do Reino Unido também é positiva, com expectativa de crescimento de 3,1% ante os minguados 2% da União Européia. Em 2003, os percentuais foram de 2,2% e 0,7%, respectivamente. Segundo a Unctad, isso se deve ao "descolamento" do Reino Unido dos países da zona do euro, o que permitiu uma política fiscal e monetária mais arrojada, aliada a taxas baixas de juros e desemprego. No resto da UE, o momento é de fraca demanda interna e uma política fiscal e monetária conservadora.

As economias em transição (Rússia, leste europeu) devem repetir o resultado do ano passado e crescer 5,9%. Os países em desenvolvimento devem apresentar uma expansão de 5,8%. Se a China for tirada desse grupo, o aumento do PIB cai para 5,2%.

Comércio exterior

No que se refere a comércio exterior, o relatório chama atenção para o fato de que entre 1990 e 2000, os países desenvolvidos serem responsáveis por grande parte do aumento das exportações. Não porque os negócios cresciam mais rápido nestas regiões, mas porque 70% dos bens exportados saíam dessas localidades. Mas esse percentual vêm mudando. Em 2002 e no ano passado, foram os países em desenvolvimento que aqueceram o comércio mundial. Em 2003, as economias ricas responderam por cerca de 21% do aumento do volume das exportações. Os países em desenvolvimento ficaram com 66%, e as economias em transição, com 12%.

Isso se deve, em parte, à perda de energia das economias desenvolvidas, mas também a rápida expansão das exportações de regiões como a Ásia, do Centro e Leste Europeu e da América Latina. "Na América Latina, entretanto, o aumento no volume das exportações não tem se refletido num crescimento do Produto Interno Bruto em função da falta de mecanismos entre as vendas externas e a produção interna", segundo disse Baumann.

De acordo com o relatório da Unctad, o comércio mundial cresceu significativamente em 2003. O total exportado aumentou 15,5% em valores em dólares. Entretanto, diferentemente do que ocorreu na década de 90, cujos resultados estavam centrados nos volumes vendidos, o resultado agora vem da elevação de preços, tanto de manufaturados quanto de commodities. O total exportado em volume cresceu apenas 4,9%.