Título: Juro em alta, compras também
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 28/04/2011, Economia, p. 14

As famílias ignoraram as medidas do governo para conter o consumo, como o aumento dos juros básicos (Selic) e, em março, continuaram a ir às compras. Mesmo com a taxa no maior nível desde maio de 2009, chegando a 45% ao ano para os consumidores, os brasileiros financiaram R$ 71,8 bilhões no mês, um volume 5,7% superior ao de fevereiro. O cheque especial, modalidade de crédito que mais encareceu, está cobrando 174,6% ao ano ¿ ainda que o valor seja exorbitante, as pessoas não deixaram de usá-lo. No mês passado, os trabalhadores ficaram pendurados nesse ¿limite especial¿ em R$ 24,8 bilhões, volume que cresceu 9,6%.

De seis tipos de crédito observados pelo BC, quatro ficaram mais caros e dois, mais em conta. Os financiamentos de veículos e bens duráveis subiram 2,5% na média. Quem deseja parcelar a compra de uma geladeira ou de uma televisão, por exemplo, irá arcar com cerca de 53,6% de juros se dividir um empréstimo bancário em 12 vezes. Na prática, vai pagar uma geladeira e meia. No crediário das lojas, seriam duas ¿ o comércio cobra, em média, 100% ao ano. Ainda assim, especialistas alertam, o brasileiro continuará a comprar. Ele não observa as taxas, mas apenas se a prestação cabe no bolso.

A auxiliar odontológica Neuzeli Aparecida Varaldi, 42 anos, admitiu ser uma dessas consumidoras. ¿Mesmo com taxas altas, eu compro. O comércio facilita as prestações. As coisas estão caras, mas mais acessíveis por causa do crédito¿, explicou. ¿Meu marido até calcula os juros. Eu já não me preocupo tanto.¿ Assim como ela, a servidora pública Reny Sousa, 60, não tem o hábito de fazer esse tipo de conta. ¿Prefiro pagar à vista, mas se o valor é elevado, como o de uma TV ou um carro, tenho de parcelar. Se eu quiser e precisar, compro sem ver¿, disse. Amiga dela, a também funcionária pública Terezinha Araújo, 51, pensa diferente e tenta se esquivar do custo extra sempre que possível. ¿Dependendo, até desisto da compra¿, garantiu.

Dados do BC mostram que, em março, consumidoras como Reny e Neuzeli continuaram a buscar empréstimos. No crédito pessoal, foram R$ 14,8 bilhões entregues às famílias, volume 5,4% maior que em fevereiro. No ano, esse avanço é de 7,7%. O cartão de crédito também registrou incremento nas concessões, chegando a R$ 19,3 bilhões, com expansão de 4,3% no mês e de 7,7% no ano.

Moderação A despeito desses avanços, o crédito total do sistema financeiro se elevou a uma taxa mais moderada: 1% entre fevereiro e março, alcançando R$ 1,752 trilhão. ¿É um crescimento mais moderado, influenciado pelas políticas restritivas de crédito¿, avaliou Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico do Banco Central. ¿O volume de informações divulgadas sancionou a visão de que as medidas macroprudenciais adotadas continuam sendo efetivas em manter o crescimento do crédito em um ritmo menor por meio de condições mais apertadas¿, disse Adriano Lopes, economista do Itaú Unibanco.

Para Emílio Aufieri, da Associação Comercial de São Paulo, o objetivo do governo é conter o consumo e a inflação sem dar um tranco forte na economia. ¿O canal do crédito é bom para isso. É menos oneroso para o país do que apertar a Selic. Assim, as pessoas vão continuar a comprar e o crédito deve permanecer crescendo. Não vamos entrar em recessão¿, argumentou Aufieri. Para ele, a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) vai diminuir o ritmo de consumo e manter o de investimentos. ¿Funcionará como uma peneira.¿

Dados parciais de abril, de oito dias úteis, registram esse movimento projetado pelo economista. Até o dia 12, as concessões para as famílias encolheram 5,4%. As empresas, porém, também foram afetadas. A liberação de recursos para elas despencou 8%. As taxas para os consumidores deram mais um salto, passando de 45% para 47,1%.