Título: Eleições e risco de contrariar interesses dificultam aprovação
Autor: Ribeiro, Fernando Taquari
Fonte: Gazeta Mercantil, 08/09/2008, Política, p. A12

São Paulo, 8 de Setembro de 2008 - A proposta de reforma política enviada ao Congresso Nacional pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mês passado, embora considerada fundamental por aliados e oposição, dificilmente será aprovadas neste ano. Além do agravante de ser um ano eleitoral, a questão é por si só polêmica, como destaca o cientista político Marco Antônio Carvalho Teixeira, da Fundação Getulio Vargas (FGV). "Você tem um período eleitoral, com um segundo turno que quase chega ao mês de novembro. Em dezembro já começa a discussão em torno do orçamento de 2009 e também as articulações para as eleições de presidente na Câmara e no Senado." Para ele, o grande desafio será fazer com que a proposta governista seja efetivamente debatida, o que não será fácil, uma vez que a maioria das sugestões contrariam os interesses de muitos congressistas. Na avaliação de Teixeira, a questão da lista fechada é controversa e a discussão sobre o financiamento público deve provocar um longo embate entre deputados e senadores. Em relação a fidelidade partidária, diz, tem muito parlamentar interessado em ter uma legislação flexível e que cada ponto será exaustivamente debatido. "E obviamente do que depender do debate interno poucas mudanças ocorrerão neste tema, que já subiu e desceu a rampa do Congresso diversas vezes sem um resultado conclusivo. Apesar do ceticismo quanto ao futuro da reforma política, ele não acredita numa polarização entre governo e oposição. Financiamento público A proposta de financiamento público de campanha proíbe todo tipo de doação privada. Os recursos só poderiam vir do Orçamento Geral da União. "Penso que o Estado vai se onerar muito para um resultado que ninguém garante que terminará com o caixa dois", argumenta Teixeira. Por quanto disso, defende um mecanismo de controle que iniba qualquer tipo de apoio que possa a ferir a legislação eleitoral. Fidelidade partidária A questão da fidelidade partidária abre janelas para mudanças de partido sete meses antes das eleições. Com isso, reconhece que o mandato pertence à legenda e não mais ao candidato eleito, reafirmando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto. "Acho bastante adequado ter uma janela. Até porque no meio do caminho você pode discordar do partido. Além disso, existe a possibilidade de perseguição. Afinal, sabemos que os partidos brasileiros são muito mais subgrupos do que um partido coeso". Mesmo assim, o cientista político da FGV cobra critérios para a janela, que contemple uma justificativa bem fundamentada para desfiliação. Cláusula de barreiraA cláusula de barreira exige um desempenho mínimo para que os partidos exerçam seus mandatos nas Câmaras Municipais, nas Assembléias Legislativas e no Congresso Nacional. "Sou favorável a essa medida. Você olha para o sistema partidário hoje e percebe que há quase quatro dezenas de partidos, que se tornaram muito mais legendas de acesso à política", reage Teixeira. Segundo ele, esta situação confunde o eleitorado. "O quadro partidário brasileiro fortalece o personalismo ao buscar muito mais critérios a partir da personalidade do candidato do que nas suas idéias". O professor da FGV acredita que um cenário enxuto terá um efeito benéfico na medida em que o eleitor perceber a que papel cada partido se propõe. Lista fechada Na lista fechada, as legendas ordenam previamente seus candidatos e o eleitor vota no partido e não mais no político. "É uma questão muito controversa e pode ter um efeito nocivo. Os partidos brasileiros não têm uma tradição democrática interna. Isso pode fortalecer oligarquias da cúpula, que passarão a definir quem são os seus preferidos na ordem da lista". Teixeira crê que a proposta pode ser mais interessante quando os partidos tiverem um espírito mais democrático. Contudo, ressalva. "A lista fechada só deve ocorrer com financiamento público porque não tem como ter um controle ou um critério para saber se os partidos vão distribuir os recursos de maneira equânime. Coligações As coligações estariam vedadas apenas às eleições proporcionais. "Esse é um debate antigo também. O problema é a quantidade de partidos hoje. Por muito tempo os pequenos só conseguiram eleger seus parlamentares porque faziam coligações com as legendas maiores", lembra Teixeira, que defende apenas as alianças no plano majoritário. Inelegibilidade Candidatos condenados em decisões colegiadas na Justiça estarão impedidos de concorrer, de acordo com a proposta de inelegibilidade do governo. "Sou partidário da idéia de levar em consideração a segunda instância para impedir os fichas-suja. É uma maneira de ter mais controle sobre a entrada na política. Se bem que os partidos deveriam fazer isso, mas não o fazem", diz o professor, acrescentando que "o grande problema é que os partidos acabam levando em consideração muito mais o potencial eleitoral do candidato do que a sua vida pessoal. Os partidos teriam que ser mais criteriosos, independente da lei, que é bem vinda", diz. A atual legislação, observa Teixeira, permite que muitos parlamentares com dívidas na Justiça se protejam atrás dos seus mandatos eletivos. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 12)(Fernando Taquari Ribeiro)