Título: Argentina sai agora em busca dos investidores perdidos
Autor: Arruda, Guilherme
Fonte: Gazeta Mercantil, 05/09/2008, Internacional, p. A11

Buenos Aires, 5 de Setembro de 2008 - "Ouvi dizer que ela começa a trabalhar depois das 13 horas", diz um senhor de terno bem cortado, cabelos grisalhos e impecavelmente penteados para trás. A fala é dirigida ao companheiro de mesa, que não tira os olhos do jornal que tem as mãos. O diálogo aconteceu semana passada em um café no centro de Buenos Aires, distante dois quilômetros da Casa Rosada, sede do Executivo. "Ela", no caso, é a presidente da Argentina Cristina Kirchner. Os dois senhores trocam idéias sobre a economia; porém, não perdem o momento para falar da espessa camada de maquilagem que Cristina exibe diariamente. Rumores como estes, sem fundamentos, claro, fazem parte do cotidiano do país, o que não impede de Cristina iniciar o nono mês da sua administração debaixo de críticas. Turistas que cruzam a Plaza de Mayo, em qualquer dia da semana, testemunham manifestantes agitando suas bandeiras. A impressão é que a Argentina está soterrada de problemas. Não está. Alimentos nas gôndolas Não há falta de alimentos nas gôndolas, embora o país tenha problema para enfrentar a onda de reajuste de preços, dos gastos internos, dos subsídios e recuperar a independência do Indec. No caso de alimentos, os lácteos estavam no centro da discussão, mesmo antes de assumir a presidência. Pecuaristas da bacia leiteira já reclamavam dos baixos preços pagos. Hoje é consenso de que não há como ter preços controlados, o que pressupõe, em tese, que o discurso tenda mais para o político do que o econômico. Para atenuar a desconfiança da comunidade financeira internacional e, ainda, responder ao Banco Central da Espanha que semana passada taxou a Argentina de ser um país de alto risco para investir, Cristina deu a resposta, anunciando que usará as reservas do Banco Central para pagar a dívida de US$ 6,7 bilhões com o Clube de Paris. As reservas do BC Argentino somam US$ 47 bilhões. Os argentinos sentiram-se feridos; porta-vozes suavizaram a atitude espanhola como sendo um "informe técnico". Argentina para investidores Cristina quer exibir uma Argentina atrativa para investidores de Wall Street na viagem que fará a Nova York na segunda quinzena deste mês, onde cumprirá ainda compromissos nas Nações Unidas. "A Argentina é um pais amigável para investir", disse o chefe de Gabinete, Sergio Massa. Ele faz previsões para 2009 de um superávit fiscal entre 3,15% e 3,20% do PIB e crescimento superior a 4%. Massa tentará re-implantar no próximo ano a devolução do IVA (Imposto de Valor Agregado) de compras feitas com cartão de débito. Sustentou que o governo continuará monitorando o consumo para conter a curva ascendente da inflação. De acordo com o Indec, os preços nos supermercados caíram 0,3% em julho, ante junho; mas há rumores de que os números sejam manipulados. A oficial é de 8%. Cada um, no entanto, inventa a sua. Fora dos corredores oficiais se diz que no acumulado do ano ela ultrapassou 27%.Não há qualquer referência à indexação. "Não existe motivo para haver inflação", comenta o presidente da Federação das Indústrias do Setor Têxtil, Ignácio de Mendigunen, alertando, porém, que é preciso mais investimento para atender a demanda. "A economia cresce com o auto-financiamento. É preciso criar instrumentos para incentivar investimentos", coloca o economista Orlando Fererer. "Temos medidas que estão freando a economia, como a decisão sobre o trigo: não se pode vender para nenhum lugar", alerta ele, acrescentando: "A gente tem a tendência a pensar o pior". "Estou otimista", confessa um simpático senhor em frente ao restaurante La Casona Del Nonno, na área central de Buenos Aires. "Em 2001, no auge da crise, sustentava sete pessoas com renda mensal de R$ 75,00; hoje, a nossa renda familiar é de R$ 3,5 mil. Temos salário, mas os preços estão subindo", diz. Os jovens, ao contrário, estão pessimistas: querem sair do país e buscar oportunidade no Brasil, "desde que seja boa", ressalva o rapaz da recepção do hotel. Aos 25 anos, não tem pressa para casar. "A Inflação está comendo nosso poder de compra". Galão vazio, carro à venda Ver um galão vazio de combustível colocado sobre o capô de um automóvel estacionado nos arredores de Buenos Aires é entendido como curiosidade por um estrangeiro. Quando multiplicados por ruas e avenidas, deixa de ser uma aparente curiosidade e passa a ter outra conotação. A mensagem é simples: o dono "informa" que aquele veículo encontra-se à venda. Hoje os arredores de Buenos Aires possuem muitos galões sobre os capôs. Cristina viaja semanalmente para as Províncias. Seus discursos contundentes contra o empresariado local - que reluta em investir - já não se estendem por um quarto de hora. O da semana passada durou menos de cinco minutos. O governo tenta recompor-se, política e economicamente. Vai precisar mais do que sorte pata superar a insegurança que toma conta parte significativa da população. Precisará dialogar muito com a sociedade - até para evitar a volta do radicalismo. Dialogar não da forma como faz hoje. Quem sabe falar com a imprensa seja um primeiro passo. Não vamos chorar por ti, Argentina. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 11)(Guilherme Arruda - O jornalista viajou a convite do grupo PSA Peugeot Citröen )