Título: Descumprimento de prazos atrasa o País
Autor: Cavalcanti, Simone ; Saito, Ana Carolina
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/09/2008, Nacional, p. A6

3 de Setembro de 2008 - O adiamento dos prazos para o cumprimento de metas e determinações, seja por parte das empresas ou mesmo do governo, atrasa o desenvolvimento do País. No Brasil, a postergação de datas para a implementação de normas é uma realidade e casos não faltam como exemplos. Essa situação reduz o potencial produtivo, uma vez que amplia os prazos de maturação dos investimentos. Isso, aliado à burocracia e à alta carga tributária causa atraso na produção e acarreta a deteriorização da geração de emprego e renda ao longo do tempo. "Se uma empresa não cumpre as metas de produtividade estabelecidas, o processo de amadurecimento do que foi investido em vez de ser de até três anos, será de até cinco anos", ressalta o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini. "Dessa forma, em vez de fazer dois aportes em um determinado prazo, faz-se somente um, o que é ruim para a expansão da economia". Muita flexibilidade Para Agostini, o nível muito alto de "democracia" para os negócios é ruim. As agências reguladoras, por exemplo, não são reconhecidas como autônomas e suas decisões são freqüentemente questionadas na Justiça. "No Brasil, temos um ambiente institucional e jurídico que dá defesa muito ampla", diz o economista da Austin, lembrando que, também, a morosidade judicial permite que, em vários casos, as multas demorem muito para serem desembolsadas pelo infrator. "Na China, a regra é clara e não muda. Os investidores sabem que têm de deixar 50% do que foi investido no país caso queiram encerrar os negócios e mesmo assim é a economia que atualmente mais recebe aportes". Normas em demasia Na avaliação de analistas consultados pela Gazeta Mercantil, o grande número de atos legais publicados no Brasil explica a dificuldade das empresas para cumprir os prazos estabelecidos. Para o sócio-diretor da BDO Trevisan, Marcio Peppe, os atrasos estão associados à falta de planejamento ou até ao total desconhecimento das novas regras estabelecidas pelo governo. "O que pesa para as empresas é o volume de novas instruções normativas, decretos e regulamentações. Algumas empresas têm uma área para monitorar isso, mas boa parte delas não está preparada nesse sentido", afirma o analista financeiro. Wanderlei Costa Ferreira, sócio da Terco Grant Thornton, concorda que esse excesso de publicações dificulta o cumprimento de novas regras. O consultor contabiliza que só a Receita Federal liberou neste ano 80 instruções normativas. "Não são as empresas que custam a se adaptar, são os órgão que legislam demais. É uma violência", ressalta. Para Ferreira, na maioria dos casos não falta planejamento nas empresas. Ele afirma que os recursos dentro das companhias são escassos para acompanhar as mudanças e, de repente, "tudo vira prioridade". "Quando sai uma nova regra, a empresa tem de capacitar técnicos e investir em tecnologia. O processo é difícil e longo.". Segundo levantamento feito pela Mastersaf, em 2007, foram editadas 5,8 mil alterações tributárias pela União, outras mil em São Paulo e mais 1,6 mil no Rio de Janeiro. Por dia, segundo os cálculos da empresa, são criadas 36 normas tributárias. "Uma empresa que não tem suporte não consegue acompanhar as mudanças na lei. Ela precisa manter um batalhão de pessoas ou contratar uma consultoria", afirma o coordenador da área fiscal e tributária da Mastersaf, Paulo Marçal. A empresa, especializada em serviços e tecnologia para a área fiscal e tributária, criou em 2001 uma divisão de negócios que acompanha a publicação de atos legais de 130 prefeituras, de todos os estados e da União e presta consultoria às empresas. Hoje, já são mais de 600 clientes nessa área. Regulação instável Após a abertura econômica, no início dos anos 90, o Brasil passou a adotar padrões e "jogar" dentro das regras internacionais, lembra Alex Agostini. Antes disso, em grande parte por causa da hiperinflação, vivia-se sob a instabilidade, que não deixava espaço para o planejamento de longo prazo. "Faz parte do amadurecimento econômico, nós estamos mudando, mas leva tempo", afirma o economista da Austin Rating. "Mas ainda tem essa coisa no Brasil que é cultural: para tudo se dá um jeito, sempre existe um plano B", ressalta o economista. Para Peppe, da BDO Trevisan, além de gerar custos às empresas, a constante mudança no ambiente regulatório pode frustar os planos de investimentos das empresas. Ferreira, da Terco Grant Thorn-ton, avalia ainda que falta diálogo entre os órgão públicos e a iniciativa privada. Ele cita o caso da mudança da cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na prestação de serviços de transporte de carga no Estado de São Paulo. Em julho, decreto do governo estadual estabeleceu isenção do imposto. A mudança recebeu críticas do setor, que não poderia mais acumular créditos de ICMS. No dia 29 de agosto, um novo decreto passou a tributar o setor. "Para quê três atos normativos? O governo tomou uma medida sem discutir com o setor privado", comenta Ferreira. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)(Simone Cavalcanti e Ana Carolina Saito)