Título: Para dar abrigo
Autor: Pacheco, Silvia
Fonte: Correio Braziliense, 28/04/2011, Ciência, p. 30

Perto de 200 municípios, em 11 estados brasileiros, estão em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, em decorrência das fortes chuvas registradas nos primeiros meses deste ano. Dados das Defesas Civis estaduais indicam que aproximadamente 134 mil pessoas estão desabrigadas ou desalojadas. Sem ter como voltar para casa, elas precisam contar com a solidariedade de familiares ou amigos ou então improvisar a moradia em escolas públicas e ginásios, situação longe de ser ideal ou de representar uma solução digna para as vítimas. Buscando amenizar o sofrimento dos atingidos por desastres naturais, uma arquiteta da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) criou uma casa especialmente para situações emergenciais.

O projeto consiste na criação de módulos pré-fabricados feitos de polietileno ¿ material plástico bastante usado em dutos de ar-condicionado. Com 16m² de área, as casas podem ser construídas em modelos para abrigar quatro, seis ou oito pessoas. A grande vantagem da proposta está no material, que permite uma construção rápida e garante segurança e conforto térmico e acústico para os usuários. Além disso, o custo de produção é relativamente baixo. Fabricado em abundância, o polietileno é facilmente encontrado e dispensa o uso de argamassa ou cimento na obra.

¿Buscamos uma solução diferente dos materiais usados normalmente, como madeira, lona e materiais metálicos¿, observa a autora do projeto, Giovana Savietto Feres. Os módulos possibilitam, inclusive, a implantação de bairros provisórios com toda a infraestrutura necessária para o atendimento básico das vítimas. ¿O abrigo permite que a família fique resguardada até que sua residência seja reconstruída¿, completa a arquiteta.

Para desenvolver o projeto, Giovana foi a campo. Ela passou uma semana no município de São Luiz do Paraitininga, interior de São Paulo, observando de perto a rotina de milhares de pessoas que ficaram desabrigadas depois que uma enchente atingiu a cidade. ¿Passei dias participando das vidas daquelas famílias, sem o menor conforto e privacidade, agrupadas como um amontoado, tendo que dividir banheiro, cozinha, tudo¿, conta. A partir dessa experiência surgiu o projeto das casas e bairros modulares. ¿Fico imaginando os desabrigados pela chuva em Alagoas, que há mais de um ano sofrem vivendo em barracas improvisadas. Quero mudar a vida dessas pessoas¿, afirma.

Outra preocupação da especialista foi elaborar uma casa portátil fácil de ser montada. Segundo ela, os abrigos podem ser transportados em uma espécie de maleta gigante e montados e desmontados em apenas 24 horas. Reutilizáveis, têm vida útil de um a dois anos. No interior do módulo, a arquiteta previu camas dobráveis no formato leito ¿ como as utilizadas em trens ¿ e uma bancada para acomodar pia e fogão elétrico. O banheiro é químico, semelhante ao usado na construção civil. ¿É simples, mas traz dignidade paras pessoas que perderam tudo¿, opina.

O abrigo emergencial também é sustentável. O piso é feito de material reciclado à base de pneu e a instalação hidráulica e elétrica permite o uso de energia eólica. ¿Na verdade, qualquer tipo de energia pode ser utilizado na casa. Vai depender da região¿, afirma a arquiteta.

Assunto novo A ideia foi apresentada como trabalho de conclusão de curso na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp em dezembro do ano passado, impressionando a banca examinadora. ¿O assunto é novo no Brasil e o tema surpreendeu os professores. Além disso, trata-se de um problema real no país. Giovana conseguiu uma solução simples e factível¿, elogia Leandro Medrano, professor da FEC e orientador do estudo.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o número de desastres naturais passou de uma média de 50 por ano, na década de 1960, para 165, na década de 1990. ¿É certo que os fenômenos naturais vão continuar afetando várias regiões, e a arquitetura pode buscar soluções para auxiliar os desabrigados de eventos como terremotos e enchentes¿, analisa Medrano.

Por enquanto, o abrigo ainda é uma maquete. O próximo passo é construir na Unicamp um protótipo para viabilizar testes e ajustes no projeto. ¿Precisamos ampliar os estudos dos materiais, testá-los com pessoas, medindo calor, ruídos etc¿, diz a criadora do projeto. A arquiteta, porém, mostra-se entusiasmada e acredita que a proposta tem grandes chances de se tornar viável no Brasil. ¿Imagino que o governo federal tenha grande interesse nesses abrigos emergenciais¿, conclui.

Inundada A cidade, considerada patrimônio histórico do estado de São Paulo, foi atingida por uma enchente em janeiro de 2010. Todo o centro histórico, que abriga o conjunto arquitetônico de casas térreas e sobrados, foi inundado. A Igreja Matriz São Luiz de Tolosa, construída no século 19, desabou. O desastre deixou cerca de 9 mil pessoas desabrigadas.