Título: Petróleo do pré-sal, doença holandesa e portos :: Luiz Guilherme Piva
Autor: Piva, Luiz Guilherme
Fonte: Gazeta Mercantil, 02/09/2008, Opinião, p. A3

2 de Setembro de 2008 - Há, entre tantos outros que se acumulam às vezes sem resposta - aparecem, tiram nosso sono, somem, retornam, são alvo de panacéias, somem de novo e talvez nunca retornem: Rodada Doha, prisão de banqueiro e João Gilberto são exemplos recentes -, dois assuntos que requerem atenções, estudos e projeções sobre as perspectivas brasileiras. Um é subterrâneo, mas flutua nas notícias como um transatlântico: é o petróleo da camada pré-sal. Outro está no nível do mar, em várias praias, mas é como se existisse submerso e glacial - só dando nos noticiários tropicais exoticamente, como baleias mortas: são os portos. Há pouco ainda a se falar com propriedade sobre o petróleo. Sabe-se que é muito, que é caro extraí-lo, que poderá nos tornar grandes exportadores e gerar recursos cuja utilização já é alvo de polêmica. Mesmo assim, curiosamente, este último ponto - a apropriação e o uso de recursos ainda não existentes (uma espécie de "swap" mineral reverso ou, no vernáculo financeiro, ovo no útero da galinha) - é o que mais se debate. Bota governistas e oposicionistas em bafafá, expõe facções do governo ao sol, empurra setores empresariais de cá para lá, põe estados e municípios brigando entre si e, subindo meio tom, incentiva tenores liberais a bater no governo sem dó. A julgar pelas falas do governo (com exceções), porém, os principais objetivos e os maiores cuidados parecem sensatamente presentes. Não há que se entregar a um suposto risco da iniciativa privada o manancial já identificado. Diretamente, pela regulação e pelas parcerias com o capital privado interno e internacional, a ação do Estado na exploração será expressiva, necessária, recomendável e duradoura. Seria preciso muita imaginação teórica para modelar um caso de equilíbrio concorrencial nesse mercado - mas não duvide que alguém o tente. Ciência, tecnologia, desenvolvimento de mão-de-obra, equipamentos avançados e muita mobilização de recursos terão de ser integrantes da adequada ofensiva na exploração do petróleo. Assim como no seu uso: em lugar de erguer dutos e bicas para lotar barris "in natura" para uso próprio e para exportação, há muitas cadeias virtuosas a gerar nos campos científico, tecnológico e educacional com o refino, a industrialização, a pesquisa e a agregação de valor ao maná submarino. Se isso requer uma nova empresa estatal ou se utilizarão as já existentes deveria ser uma discussão menor, desde que a decisão decorra da questão central, que é atender a tais objetivos. O risco maior é virarmos uma Canaã exportadora, um emirado - com a esquizofrenia adicional de termos outra torneira, a do biocombustível da cana-de-açúcar. Teríamos a estrutura interna de um emirado e as fronteiras externas de uma "plantation". Para o estudo da economia, seria uma variante sofisticada da "doença holandesa" - quadro de desindustrialização vinculada à valorização cambial exacerbada pela enxurrada de divisas para o Brasil. Ocorreu na Holanda há trinta anos, com a exportação de gás natural. "Delenda" Holanda, neste caso. Exportações e Holanda nos levam ao outro assunto. Os portos. Os do Brasil precisam se modernizar, se equipar, se multiplicar, aumentar de capacidade e de tamanho para darmos resposta às demandas de exportações com eficiência alta e custo baixo. Como na Holanda, tida como exemplo no setor. Já hoje, sem os grandes volumes de petróleo e de biocombustível com que irrigaremos o mundo, temos deficiências. O governo vem discutindo as reformulações necessárias em termos institucionais, regulatórios, econômicos, operacionais e comerciais para que nossa imensa costa seja capaz de receber e enviar navios de grande calado com rapidez e ganhos de escala - de preferência com produtos nossos de alto valor agregado. Serão necessários investimentos de grande porte no setor, e também aqui a participação do Estado como parceiro, regulador ou gerador de incentivos para o setor privado - cuja participação é vital -, será importante. Estrangeiros têm interesse na melhoria de nossa capacidade portuária para o abastecimento de seus mercados com nossas mercadorias e podem atuar beneficamente na revisão das plataformas. Que venham. E assim poderemos cumprir o ideal de, nessa frente (ou costa), nos tornarmos uma imensa Holanda. kicker: A questão não é criar ou não uma estatal, mas como agregar valor ao maná petrolífero (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) LUIZ GUILHERME PIVA* - Diretor-técnico da LCA Consultores. Próximo artigo do autor em 23 de setembro)