Título: Taxa de juros e as decisões de consumir e investir :: Juarez Rizzieri
Autor: Rizzieri, Juarez
Fonte: Gazeta Mercantil, 01/09/2008, Opinião, p. A3

1 de Setembro de 2008 - Não são poucas as vezes que na mídia aparece o seguinte argumento: os tomadores de crédito não levam em conta a magnitude da taxa de juros cobrada, porque ela pode ser compensada por uma correspondente expansão do respectivo prazo, desde que a prestação caiba no orçamento ou salário do prestamista. Essa afirmação não causa estranheza porque é o senso comum do que ocorre na realidade. O erro está no fato de muitos afirmarem que por causa disso a taxa de juros é irrelevante para explicar as variações no consumo. Em parte essa percepção decorre da dificuldade que o brasileiro tem em lidar com a matemática financeira para o cálculo da taxa de juros simples (proporcional), ficando pior ainda lidar com a taxa composta (juros sobre juros). Todavia, vale a pena qualificar um pouco esse raciocínio e seu efeito sobre os limites desse processo de endividamento. Primeiro, é importante lembrar que o cálculo do valor das prestações de qualquer financiamento exige três componentes básicos: a taxa de juros, o prazo e o montante financiado. Fixado o valor do financiamento, é evidente que se podem compensar as variações na taxa de juros com a respectiva alteração de prazo, para manter o valor da prestação inalterada. Até aí tudo perfeito, mas o que falta dizer é que uma expansão do prazo, para manter o valor da prestação constante, devido a uma elevação na taxa de juros, tem como conseqüência um maior comprometimento da renda futura ao longo de um período maior. Isso reduz sua capacidade de endividamento para um determinado período de tempo, reduzindo a freqüência entre um financiamento e outro. Para que isso não aconteça, ele seria obrigado a sobrepor financiamentos não quitados, o que aumenta o risco de inadimplência. Para concluir pode-se dizer que um aumento na taxa de juros reduz o consumo das pessoas num determinado período de tempo, saiba ela ou não calcular o custo do seu financiamento. Isso tem muito mais importância macroeconômica que microeconômica, porque o prazo de endividamento tem aumentado mais que proporcionalmente que os aumentos da própria taxa de juros. Assim sendo, a conseqüência tem sido um aumento considerável do volume de crédito, que vai cada vez mais invadindo a garantia dada pela renda futura, que, se não crescer adequadamente, gera uma expectativa de maior risco de inadimplência, efeito esse que acaba pressionando a própria taxa de juros, que, conforme acima descrito, expande o prazo, e assim sucessivamente, produzindo um efeito circular de caráter explosivo no endividamento. O interessante é que nos períodos de queda dos juros, o processo não é simétrico e os prazos não caem na mesma proporção, servindo assim para um estímulo a mais financiamentos. O crescimento da renda atenua esse movimento, pois do acréscimo anual da ordem de 30% do crédito, tanto na pessoa física como na jurídica, o efeito renda venha sendo maior que o efeito preço (taxa de juros), pois este tem sido arrefecido pelo efeito prazo. O fato é que o crédito tem aumentado vigorosamente nos últimos cinco anos, tanto em nível nacional como internacional, estimulando a demanda de consumo e ameaçando a inflação. O que dizer desse efeito da taxa de juros sobre a decisão de investir? Aqui a controvérsia é bem menor entre os estudiosos do assunto, porque há os que advogam a supremacia do crescimento econômico sobre a relevância da taxa de juros no processo de decisão de investir. Nesse caso, um crescimento sustentável e vigoroso garante a receita futura das empresas para pagar os financiamentos programados, mesmo a um elevado custo de capital. Para a decisão de investir existem outros fatores não menos importantes, como a carga tributária sobre a produção e os insumos, o grau de concorrência dos mercados, disponibilidade de infra-estrutura econômica, as garantias institucionais (direito de propriedade, prudência judicial, segurança), o marco regulatório, o grau de formalidade, o grau de mobilidade do capital, burocracia, o mercado de trabalho e sua regulação, etc. Isso tudo pode ser sumarizado no grau de liberdade de funcionamento dos mercados. Estudos internacionais, como o "Investment Climate Surveys" do Banco Mundial, classificam o Brasil em posição muito aquém daquela que poderia estar desfrutando sobre o grau de transparência do funcionamento de uma economia de mercado, logo não consistente com os US$ 30 bilhões de investimento estrangeiro direto que vem recebendo a cada ano. De qualquer forma, o custo de oportunidade dos investimentos será sempre dado pela taxa de juros de mercado adequada a ser comparada com a taxa de retorno do negócio que se quer desenvolver, apesar das empresas, notoriamente, preferirem dedicar seus talentos para desenvolver seus negócios produtivos em relação a investimentos financeiros. kicker: O aumento do crédito cada vez mais invade a garantia dada pela renda futura (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) JUAREZ RIZZIERI* - Professor da FEA/USP. Próximo artigo do autor em 22 de setembro)