Título: Antes de oportunidade, a China é desafio
Autor: Lavoratti, Liliana
Fonte: Gazeta Mercantil, 01/09/2008, Nacional, p. A6

São Paulo, 1 de Setembro de 2008 - O crescimento acelerado da economia chinesa, próxima de se tornar a maior potência mundial, criou a perspectiva de efervescência de negócios na rota Brasil-China. Entretanto, para montar na garupa desse cavalo encilhado, as empresas brasileiras precisam superar vários fatores limitantes, a começar por uma postura mais pró-ativa no mercado asiático. Também é imprescindível uma maior aproximação entre as duas culturas, o que envolve melhor conhecimento mútuo - geral e negocial - e até deixar de lado preconceitos cultural e ideológico, não raramente o pano de fundo nas negociações empresariais. Hoje, a participação do Brasil nesse mercado é modesta - de apenas 1,92% -, sendo o 14fornecedor.. Por isso, a China, ao mesmo tempo que é vista como uma grande oportunidade para o Brasil, ainda é um enorme desafio. Essa é a opinião de dirigentes de entidades e empresários que se dedicam ao comércio bilateral e alguns trader de negócios ¿ voltados principalmente para a atração de investimentos chineses e asiáticos. Ouvidos pela Gazeta Mercantil, eles constatam uma série de avanços nas relações entre os dois países, mas apontam um longo caminho a ser percorrido. O clima em relação à China nos meios empresarial e governamental nos três níveis (federal, estadual e municipal) é melhor hoje em comparação com o passado, assim como a sintonia com as tendências mundiais também cresceu. O esforço para "fazer a lição de casa", entretanto, ainda está aquém das possibilidades oferecidas pelas circunstâncias positivas.Afinal, em cerca de dez anos a China deixou de ser o país das bicicletas para tornar-se candidata a maior potência mundial, ultrapassando os Estados Unidos e um mercado em franca ascensão com 1,3 bilhão de pessoas - e boa parcela saindo da pobreza. No ano passado, a China comprou US$ 956 bilhões em mercados, dos quais apenas 1% do Brasil. O Brasil manteve-se "lanterninha" na relação com a China até 2006. Somente a partir de 2007 os governadores, prefeitos e empresários de várias áreas passaram a visitar com freqüência cada vez maior as cidades e feiras chinesas. A Agência de Promoção das Exportações (Apex), pela primeira vez, vai participar neste ano da Feira de Atração de Investimentos de Xiamen, na província de Fujian , de Taiwan, de 10 a 13 de setembro. Dos 15 estados convidados pela Apex, oito já confirmaram presença. Ao mesmo tempo em que isso demonstra uma certa mudança de postura, denuncia a falta de pró-atividade dos órgãos oficiais, mais voltados para outros mercados. Essa é a décima-segunda edição da feira de investimentos. "Parece que de repente houve uma queda geral de fichas, o meio empresarial se ligou em relação à China, na lógica do `se não pode combatê-los, una-se a eles¿", afirma Milton Pomar, gerente geral na China da BWP Projetos, Consultorias e Participações S.A., empresa do Grupo Brasif que se dedica a incrementar o conhecimento mútuo sobre ambos os países, e desfazer alguns mitos. Quanto ao governo federal como um todo, há uma transformação notável em curso. Além da participação da Apex na feira de investidores, faz parte da "força-tarefa China" criada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e outros órgãos maior divulgação nas principais cidades chinesas. Além disso, a agência levará o pessoal de Relações Internacionais de vários governos estaduais para participar de um evento China-América Latina, na cidade de Harbin, em 20 e 21 de outubro. E o Ministério do Turismo e Embratur aumentaram a presença em eventos da área. Essas iniciativas poderão se traduzir, em breve, em aumento dos valores da balança comercial brasileira com a China, deficitária a partir do ano passado. Entretanto, é preciso considerar que os vários saltos ocorridos se devem mais ao fato de ser quase impossível ignorar a China e seu desenvolvimento, analisa Wladimir Pomar, pioneiro no Brasil em marketing favorável às repercussões positivas do crescimento chinês para o Brasil e autor do livro "O Enigma Chinês, Capitalismo ou Socialismo (Alfa-Omega, 1987)", escrito depois de duas viagens àquele país - em 1981 e 1984. Na época, Pomar chegou a ser chamado de lunático, tamanho o ceticismo doméstico relacionado ao assunto. Passados 20 anos, Pomar não tem dúvida: os chineses conhecem pouco sobre o Brasil, e muitos supõem que se trata apenas da terra do futebol e do Carnaval. "Os brasileiros também conhecem muito pouco sobre a China, o que é agravado por mitos e preconceitos sombrios, como trabalho escravo, povo miserável, ditadura feroz, desenvolvimento insustentável, fábrica de quinquilarias", afirma. Para o presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e consultor da Rubens Barbosa & Associados, as empresas brasileiras continuam tentando entrar no mercado chinês "de peito aberto". "Nossas empresas pensam que são capazes de desenvolver sozinhas negócios em mercados tão diferentes do nosso. Consultoria é vista como despesa e não como investimento", analisa. Miltom Pomar concorda com Barbosa. Segundo ele, apesar de um certo progresso na aproximação entre os dois países, o problema continua sendo a falta de projetos por parte dos brasileiros. "As empresas daqui geralmente vão lá de mãos abanando e isso é perda de tempo e dinheiro", diz. Ele considera um passo fundamental as iniciativas crescentes de envio de missões empresariais lideradas por governos estaduais -- que inclusive estabelecem relação de irmandade com províncias chinesas, caso recente do Pernambuco, Bahia e Amazonas. E também por federações das indústrias do Pará, Ceará, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina, que promoveram viagens empresariais àquele país. Efeito Olimpíada O desafio aumenta daqui para frente, lembra Barbosa, por causa da incerteza sobre como os chineses vão enfrentar a desaceleração da economia global. Os investimentos (equivalentes a R$ 68 bilhões) realizados em infra-estrutura para a realização das Olimpíadas 2008 ajudaram a manter a economia doméstica aquecida, mas não se sabe ainda o que será colocado no lugar para amortecer os efeitos negativos do crescimento menor no resto do mundo. E isso, segundo o consultor, vai se refletir de alguma forma nas trocas comerciais, inclusive com o Brasil. Ele mesmo sentiu na pele a dureza de negociar com os chineses. Por quatro vezes, em 2004, Barbosa tentou desenvolver negócios naquele país asiático para empresas brasileiras, mas acabou desistindo. "Tudo era muito demorado, complicado, centralizado e burocrático", conta. Hoje ele retomou esse projeto, estimulado pelo amadurecimento dos próprios investidores chineses. "Como aqui, a China também se modificou e as barreiras ainda existentes não são impeditivas para a ampliação dos negócios", diz o ex-embaixador. Mas acrescenta que fazer negócio com estatais continua sendo mais delicado do que com o setor privado. O empresário gaúcho Cassiano Guarese, sócio-proprietário da People4Business, de Caxias do Sul (RS), e desde 2004 atuando na prestação de serviços para importação e exportação entre os dois países, ressalta como particularidade das negociações com os chineses a barreira do idioma, uma vez que somente em Xangai e Pequim, e especialmente as novas gerações, dominam o inglês. Outro ponto relevante é a forma de negociar (veja quadro nessa página). "Não é da primeira vez que se fecha um negócio com os chineses. Para vender, eles estão sempre prontos, mas para comprar ou fechar uma parceria, só depois de confiarem no outro lado", afirma. Para Marco Polo Moreira Leite, da Asian Trade Link (sediada no Rio de Janeiro e com filial em Pequim), e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Associação Comercial do Rio, o nome do jogo atual é pró-atividade. "Já passou da hora de só pensarmos em proteção interna para adotarmos uma postura mais moderna", enfatiza. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)(Liliana Lavoratti)