Título: Destravar Mercosul trará fortes vantagens comercais
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Fonte: Gazeta Mercantil, 10/09/2008, Editoriais, p. A2
10 de Setembro de 2008 - O Banco Central (BC) informou que o sistema de pagamento que dispensa o dólar no comércio entre Brasil e Argentina entrará em operação na primeira semana de outubro. O acordo assinado entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner abre a possibilidade de que os contratos de exportação entre os dois países tenham como parâmetro o real e o peso. A adesão ao Sistema de Pagamento do Comércio Bilateral em Moedas Locais (SML), como insistiu a diretora de Assuntos Internacionais do BC, Maria Celina Arraes, é voluntária e os exportadores dos dois lados da fronteira podem continuar operando em moeda norte-americana. O presidente Lula, no entanto, no discurso na solenidade de assinatura do acordo no Itamaraty, afirmou que o sistema pode ser o embrião de uma "moeda única" no Mercosul. A diretora do BC foi bem mais cautelosa e lembrou que união monetária é um "novo processo que na Europa durou décadas". A prudência exibida pela diretora do BC quanto à velocidade de unificação monetária no âmbito do Mercosul deveria ser perseguida por outros integrantes do governo brasileiro, que mantém fé inabalável na eficiência de decisões compartilhadas entre os sócios do bloco latino-americano. Na semana passada, o governador de São Paulo, José Serra, em um seminário do BNDES, foi especialmente enfático em discutir as vantagens da adoção de destinos comerciais comuns entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Serra disse que a diplomacia econômica brasileira deveria ter outra prioridade, a partir de maior independência em relação ao Mercosul. O ponto essencial da crítica do governador paulista é que o bloco não funciona bem como uma união aduaneira e coloca obstáculos intransponíveis para o Brasil negociar acordos de livre-comércio com parceiros de sua escolha. Serra insiste em que o bloco deveria retornar à condição de área de livre-comércio, preservadas as preferências comerciais entre os sócios e assegurado o direito de cada integrante assinar acordos bilaterais conforme as conveniências de seus interesses nacionais. No mesmo seminário, horas depois, a posição de Serra foi contestada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. O principal argumento do chanceler é que acordos multilaterais representam a forma mais eficiente para o País atender aos seus maiores objetivos comerciais. O Mercosul, nessa lógica, não é um obstáculo, mas um motor na conquista de espaço nas negociações comerciais que envolvem os interesses brasileiros. Desse modo, a ênfase dos últimos anos do Itamaraty na Rodada Doha representava conquista de oportunidades muito mais sólidas do que as que o Brasil alcançaria insistindo em acordos bilaterais geograficamente delimitados. Na visão de Serra, porém, sequer no âmbito interno o Mercosul funciona no atual modelo, exatamente porque fracassa como união aduaneira. A Tarifa Externa Comum (PEC), a rigor, não é "comum", principalmente pela quantidade de exceções que acumula. Sem esquecer o mau uso da TEC, pela chamada "dupla cobrança". Todo produto importado por um sócio do Mercosul paga a tarifa alfandegária, que será cobrada novamente se esse mesmo produto entrar em outro país do bloco. A rigor, sequer como zona de livre-comércio o bloco funciona bem, como provam as restrições enfrentadas pelo setor automobilístico, para citar um exemplo. As barreiras impostas pelos argentinos a inúmeros produtos brasileiros é outra evidência da crise do modelo enquanto mera zona de livre-comércio. As diferenças no desenvolvimento industrial nos integrantes dos blocos explicam essas barreiras e justificam também por que Argentina e Brasil tomaram posições tão divergentes na iminência de um acordo na Rodada Doha. As diferenças de políticas comerciais escondem estágios de desenvolvimento macroeconômico bem diferenciados, em especial entre Brasil e Argentina. Convém lembrar que Buenos Aires controla preços e apresenta dados econômicos que são contestados pelos próprios argentinos, além de uma situação muito instável de financiamento externo, quadro totalmente diverso do brasileiro. Por outro lado, a Argentina é o segundo maior destino das exportações brasileiras. No acumulado deste ano, até agosto, os argentinos compraram US$ 12,5 bilhões do Brasil, 33,4% a mais que no mesmo período de 2007. Basta essa evidência para que se reafirme a necessidade de que se destrave o Mercosul, adotando real pauta de desenvolvimento mútua e consolidando o que já foi conquistado como área de livre comércio. Mas permitindo também que cada país encontre a melhor opção para defender seus interesses na esfera internacional de comércio. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)