Título: O longo caminho da independência do Brasil :: Antonio Penteado Mendonça
Autor: Mendonça, Antonio penteado
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/09/2008, Opinião, p. A3

10 de Setembro de 2008 - A idéia da separação legal do Brasil do Império Português começa a tomar forma com a vinda da família real para o Rio de Janeiro, em 1808. Até essa data, incluída a Inconfidência Mineira, tudo que havia acontecido pode ser resumido em movimentos locais, mais ou menos separatistas, com vieses os mais variados quanto às razões e aos anseios. Ao contrário dos Estados Unidos, que iniciaram a guerra de independência com uma base programática, com as colônias unidas, um governo eleito e um comando militar centralizado, no Brasil, ao longo de toda nossa história colonial, nunca aconteceu de uma única província se rebelar oficialmente contra o governo de Portugal. O que dizer então de toda a Colônia. Se a idéia passou pela cabeça de alguém, sua materialização, na prática, seria antes de tudo impossível, pela falta de comunicação física entre as várias partes do território brasileiro. É sempre bom lembrar que, até pouco depois da inauguração de Brasília, o Sul e o Sudeste não se comunicavam por estradas com o Centro-Oeste e com o Norte do País. Até a inauguração da Belém-Brasília esta comunicação era feita por mar, por meio dos navios de cabotagem. Não havia rodovias, ferrovias ou hidrovias unindo o imenso território brasileiro. Por isso mesmo, o interior do País, até meados dos anos 60, era praticamente despovoado e tinha na pecuária sua única fonte expressiva de riqueza. Com a chegada da família real no Rio de Janeiro, pela primeira vez na história da humanidade, um império europeu passou a ser governado de outro ponto no globo que não a metrópole. O resultado foi o Rio de Janeiro passar por modificações impressionantes e, com ele, também a população brasileira. Em meados da segunda década do século XIX, as diferenças entre Portugal e a Corte, instalada no Rio, já eram dignas de nota e apontavam para o caminho da separação, caso houvesse um movimento mais consistente no sentido de reverter os avanços sociais brasileiros durante o período em que foi sede do Império. O 7 de Setembro e o grito do Ipiranga foram apenas a conclusão inevitável de um processo que se encaminhava para este desfecho. Tanto é assim que, antes de retornar para Portugal, D. João VI, ao se despedir do filho que deixava no governo do Reino Unido do Brasil, lhe disse com todas as letras que proclamasse a independência da terra, antes que um aventureiro o fizesse. Mas a simples decretação da emancipação política de um território não significa, na prática, a sua independência e a sua transformação numa nação soberana e auto-suficiente, capaz de se defender e prover as necessidades básicas de sua população. O Brasil não foi exceção à regra. Proclamada a independência, e mesmo com o seu reconhecimento pelos Estados Unidos, havia um longo caminho a ser percorrido. Caminho que ainda percorremos e que resultou na real independência brasileira apenas quase 180 anos depois do grito de nosso primeiro imperador às margens do Ipiranga. Constituído em nação soberana, o Brasil teve que pagar pelo seu reconhecimento pelas nações européias. O primeiro desembolso foi assumir a dívida de Portugal com a Grã-Bretanha. O segundo foi aceitar o Império Britânico como parceiro preferencial durante a maior parte do século XIX, até que, no seu final, o eixo das relações começou a mudar, abrindo o País para Estados Unidos, França e Alemanha. Se desde 1822 o Brasil, no aspecto geográfico, é uma nação independente, com milhares de quilômetros de fronteiras definidas e pacificadas, dentro das quais se estende uma das maiores extensões territoriais contínuas, formando um único país, a evolução socioeconômica se deu em outro ritmo, bem mais lento. Ao longo do século XIX e das duas primeiras décadas do século XX, a imensa maioria da população morava na zona rural e era analfabeta, a saúde pública extremamente precária, as condições de moradia insatisfatórias, as estradas praticamente inexistentes e a economia se baseava quase que completamente no café e no açúcar, sendo necessário importar praticamente tudo, tanto para uso empresarial, como para uso doméstico. Não existia capital nacional para investimentos consistentes em infra-estrutura e um dos poucos empresários brasileiros com visão abrangente e com capacidade empreendedora foi deliberadamente quebrado pelo governo imperial. Estes fatos colocaram o País nas mãos de grandes grupos internacionais, que praticamente detinham o monopólio da energia, transportes e comunicações. O quadro começa a mudar a partir da década de 30, com a criação da Universidade de São Paulo (USP) para formar quadros profissionais, e da década seguinte, com a inauguração da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Só a partir deste momento é possível falar em início de independência econômica. Desde então o País vive um processo de desenvolvimento socioeconômico, que no espaço de 60 anos mudou seus principais indicadores. Nele se insere a chegada da indústria automobilística e a criação do parque industrial paulista. A construção das usinas geradoras de energia. A montagem de um sistema nacional de telecomunicações. A criação de um sistema financeiro sólido e capaz de bancar parte das necessidades nacionais. A exploração de petróleo no oceano Atlântico. A diversificação dos investimentos pelas diferentes unidades da Federação. E a inserção do País no sistema internacional de comércio. Ainda faltam passos importantes. Investimentos em saúde, educação, saneamento básico e moradia são indispensáveis para dar ao brasileiro as mesmas condições oferecidas pelos países mais desenvolvidos. Mas uma comparação com a maioria das nações mostra que, hoje, o Brasil é um país política e economicamente independente. kicker: Se o País é hoje economicamente independente, falta atender às carências sociais (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) ANTONIO PENTEADO MENDONÇA* - Sócio de Penteado, Mendonça e membro da Academia Paulista de Letras. Próximo artigo do autor em 1 de outubro)