Título: A política industrial e a (des)construção do futuro :: James Wright
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/09/2008, Opinião, p. A3

10 de Setembro de 2008 - O Brasil é pródigo em perder oportunidades. A "nova" política industrial é um exemplo claro. De maneira inconsciente, o presidente Lula demonstrou o porquê ao discursar sobre o assunto. Elogiou o governo Kubitschek e até os militares porque geraram políticas públicas de crescimento. Kubitschek, assim como os governos militares, tinha uma clara visão de futuro. Ter um projeto do futuro é essencial para inspirar seguidores, coordenar esforços, reduzir incertezas, exigir sacrifícios e mobilizar talentos e recursos. Não precisamos concordar com os objetivos dos governos militares para reconhecermos que, em sua gestão, o País cresceu de maneira rápida e objetiva. Analisando nosso desempenho recente, vemos que o Brasil cresceu menos que todos seus vizinhos latino-americanos e muito menos do que os organizados e objetivos países asiáticos. O País, claramente, não tem um mapa de aonde quer chegar. A "política" industrial atual é imediatista e não traz benefícios estruturais permanentes. Estimula setores que, como o automobilístico, já estão aquecidos, e terá como efeito apenas acelerar momentaneamente seu crescimento, sem resultados duradouros. Exacerbando o risco de inflação, vai requerer em médio prazo uma medida contrária, de "resfriamento" do consumo. Nem tudo está errado, pois a política geral do governo, acertadamente privilegiando a distribuição de renda, aumentou o poder aquisitivo e a qualidade de vida da população mais carente. Infelizmente isto se fez por mecanismos inadequados, pois aumentar a carga tributária para distribuir dinheiro via aposentadorias e Bolsa Família é medida assistencialista, demagógica e improdutiva. Gerou apenas um boom de consumismo e uma bolha de crédito que vai nos prejudicar no futuro. Aumentar o número de empregos públicos é outra política que claramente prejudica a produtividade global do País, ao ampliar o setor menos produtivo da economia. O investimento fundamental, com resultados duradouros de longo prazo, não está sendo feito. Um mapa estratégico consistente para nosso País colocaria em primeiro lugar a busca de uma melhoria sustentável da qualidade de vida da população; para isso, é necessário reduzir desigualdades, estimular o crescimento com qualidade de cidades pequenas e médias do interior e criar emprego. Como fazê-lo? Fundamentalmente estimulando a produção de bens de salário direcionados para os bilhões de consumidores que engrossarão nos próximos anos as classes de menor renda. Para sustentar o crescimento da produtividade e dos investimentos, três linhas de ação fundamentais; investir em pessoas, instituições e infra-estrutura. Investir em pessoas sem distribuir dinheiro de impostos, mas, sim, educação, saúde e produtividade. É indispensável investir pesadamente na educação, atingindo, em curto prazo, 100% de jovens matriculados no nível médio ou no ensino técnico, em vez de despejá-los despreparados no subemprego, funcionalmente analfabetos após cinco ou seis anos de "estudo". É necessário melhorar drasticamente a qualidade do ensino fundamental (sem pagar mais a professores ruins, mas sim requalificá-los e premiar o bom desempenho) e investir nas universidades, exigindo maior empenho em repassarem o conhecimento para o setor produtivo. Nas instituições, investir na independência efetiva de poderes, especialmente o judiciário, de modo a garantir estabilidade nas leis e atrair investimentos. O ensino de cidadania é fundamental para melhorar a qualidade das instituições. Em infra-estrutura, precisamos investir pesadamente em energia, transporte, comunicações e conservação ambiental, campo onde o Brasil ainda pode se diferenciar por ser o único país industrializado que não destruiu por completo suas riquezas naturais. O Programa de Estudos do Futuro tem realizado desde 1980, inúmeros trabalhos articulando necessidades, objetivos e propostas para o País nestas áreas, aplicando técnicas específicas de construção do futuro mediante projeção de cenários, estudos de tendências e impactos socioeconômicos de novas tecnologias. Sabemos que é possível criar um consenso mínimo acerca de reais e concretos objetivos nacionais, os quais não serão fórmulas mágicas, mas criam um norte para o desenvolvimento sustentado. Acreditamos que é um grande erro conceber iniciativas políticas sem a aplicação de técnicas apropriadas de previsão dos seus objetivos e impactos de longo prazo, pois para chegar a um destino desejável, precisamos construir com qualidade um projeto do futuro desejado para o Brasil. kicker: O erro está em políticas imediatistas, sem benefícios estruturais (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) JAMES WRIGHT* - Professor da USP e coordenador do Programa de Estudos do Futuro da FIA )