Título: O FMI também convive com risco da irrelevância
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Fonte: Gazeta Mercantil, 26/08/2008, Editoriais, p. A2
26 de Agosto de 2008 - Em setembro de 2007, quando assumiu o cargo de diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), o francês Dominique Strauss-Khan encontrou em caixa menos de US$ 300 bilhões. O volume, que parece alto, é bastante modesto nos padrões atuais para enfrentar uma séria crise financeira internacional. A situação era tão preocupante que o ex-diretor-geral Rodrigo de Rato sugeriu a venda do lastro de ouro da instituição. A idéia foi sepultada quando o maior sócio contribuinte do Fundo, pela voz do secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson Jr, lembrou que o FMI "não pode vender o que não é dele porque o ouro é dos sócios da instituição". Era a descoberta de que os males que por décadas afligiram os governos dos países que o FMI tutelava, imprevidência frente aos dias difíceis e vontade de vender o que não é seu, tinham contaminado a capacidade de decisão dos severos gestores do FMI. O drama foi intenso, e como mostrou matéria publicada na edição de ontem da Gazeta Mercantil, muita gente bastante bem conceituada na comunidade financeira internacional passou a considerar que o Fundo também precisava tomar o "remédio amargo" que por tantos anos receitara para tantos países. Não foi o que ocorreu. A conhecida fórmula do FMI, de cortar gastos duramente, de aumentar a receita, de expandir os países-membros pagantes, de mudar o modo perdulário de operar, só valia para "os outros". Com uma folha de pagamento de 4 mil funcionários espalhados pelo mundo, o FMI simplesmente não cumpriu a promessa de cortar 10% de pessoal para equilibrar as contas e os altos benefícios pagos. Um economista indiano do próprio FMI botou o dedo na ferida ao afirmar que não via equipes do Fundo, que viajavam em missões pelo mundo, nas classes econômicas dos aviões. Permaneciam na primeira classe, irremovíveis de lá, como os irresponsáveis governantes dos países endividados que o Fundo tentava consertar. Alguns analistas econômicos, até bastante críticos das posições do FMI, no entanto, lembraram que o verdadeiro problema do Fundo não era econômico e que o maior motivo da crise da instituição era "estrutural": desigualdade na tomada de decisões, desequilíbrio de poder na direção do organismo e perda de rumo nas aspirações e propósitos. O motor desse desequilíbrio institucional era bem conhecido: o mundo mais pobre não precisava mais do FMI. Como qualquer banco com falta de clientes, com ausência de quem precise desesperadamente de seus recursos, o FMI não sabia o que fazer e, como é comum nessa situação, acumulava erros. A rigor, a análise do fluxo de caixa do Fundo explicava bastante bem a perda de importância da instituição. A impressionante liquidez dos mercados internacionais nos últimos anos assegurou a muitos países fontes alternativas aos recursos do FMI, sempre tão presos a tantas garantias de bom comportamento. E esse dinheiro, sem exigências, não era mais caro que o oferecido pelos cofres do Fundo. Os empréstimos pedidos do FMI despencaram de US$ 33 bilhões em 2002 para menos de US$ 3 bilhões em 2005. Quando as taxas de juros do mundo desenvolvido despencaram em 2006 e 2007, o Fundo ficou ainda mais insignificante para os necessitados. Como os preços das commodities subiam sem parar desde o final de 2004, muitos países produtores (geralmente os que mais batiam à porta do FMI) não só pararam de pedir como pagaram o que deviam. Em 2002, os cofres do Fundo receberam US$ 22 bilhões em pagamento de débitos; em 2005, essa quantia bateu em US$ 44 bilhões. Isso no mundo com juros bem baixos e excesso de liquidez. Foi o momento em que países cronicamente devedores, como Brasil e Argentina, quitaram seus débitos e, ainda, encontraram recursos para compor reservas cambiais como nunca tiveram. Apesar do momento ruim, o FMI preferiu não se modernizar nem se adaptar. E, como os governos de opereta que tanto condenara, a direção do Fundo resolveu fazer bravatas para esconder suas misérias e decidiu que iria monitorar as contas do banco central e do governo americano. Um político republicano foi impiedoso: "Para que abrir as contas do país para uma instituição falida e irrelevante?". Este é o ponto: se o preço das commodities despencar, o Fundo permanecerá irrelevante? Por enquanto, como os governos ruins, o FMI preferiu contratar agências de relações públicas para melhorar a imagem da instituição. Com um problema, também típico desses governos: a agência contratada era francesa, a mesma que fizera a campanha de Strauss-Kahn para conquistar o mais alto cargo do Fundo.Com isso, a suspeita de que o FMI precisa mesmo de reforma apenas aumentou. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)