Título: Déficit em conta corrente exige atenção do governo
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/08/2008, Editoriais, p. A2

25 de Agosto de 2008 - Nota do Setor Externo, divulgada pelo Banco Central (BC) no final da semana passada, prevê manutenção da trajetória de recuo no déficit em conta corrente do País. É uma esperança e não uma avaliação objetiva dos números consolidados. O saldo negativo nas contas correntes, que registram as operações de comércio, serviços e rendas do Brasil com o exterior, alcançou US$ 2,11 bilhões, o pior resultado para o mês de julho desde 1997. No acumulado deste ano, o déficit nas contas correntes atingiu US$ 19,5 bilhões, recorde da série histórica dessas contas iniciada em 1947. Com esse resultado o saldo negativo se aproximou muito dos US$ 21 bilhões que o Banco Central estimou para todo o ano de 2008. O chefe do Departamento Econômico do banco, Altamir Lopes, apenas declarou que a previsão feita para o déficit nas contas correntes está "sujeita a revisão". Os técnicos do BC preferem destacar que o saldo negativo de julho já foi menor do que os US$ 2,59 bilhões registrados em junho. Vale notar, no entanto, que o déficit do mês passado é praticamente três vezes maior que o apurado em julho do ano passado, quando o BC totalizou um déficit de US$ 719 milhões. O persistente saldo negativo nas contas correntes é um sinal de alerta que não pode ser desprezado. As autoridades monetárias reiteram que o déficit tem sido coberto pela entrada de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), que nos últimos 12 meses alcançaram US$ 30,06 bilhões, ou 2,18% do PIB. Porém, nessa comparação o IED diminuiu em relação ao volume anualizado de IED referência junho, quando representou 2,22% do PIB. O quadro fica ainda pior se comparado com os 12 meses anteriores fechados em julho de 2007, quando o total de IED bateu em 2,85% do PIB. Em julho o IED chegou a US$ 3,24 bilhões, maior que os US$ 2,7 bilhões de junho, mas um valor bem abaixo dos US$ 3,6 bilhões obtidos em julho do ano passado. No acumulado do ano, chegaram ao Brasil US$ 19,9 bilhões em IED, um total bem inferior aos US$ 24,4 bilhões que aportaram no País no mesmo período de 2007. Esse fato, no entanto, é tratado com muita tranqüilidade pelo Departamento Econômico do BC, que reafirma estar em curso uma desaceleração do déficit. Na visão do responsável por esse departamento do banco, o resultado de julho tende a ser pior por concentrar o pagamento de juros e maior volume de gastos em viagens ao exterior e insiste em que nos próximos meses essas viagens devem diminuir. Vale lembrar, contudo, que a soma de despesas dos turistas brasileiros no exterior atingiu US$ 1,306 bilhão, um recorde desde 1947. Esse gasto foi 60,6% maior que o registrado no mesmo mês de 2007. Em julho, 2 milhões de pessoas saíram do Brasil a turismo, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), 21,6% a mais do que o registrado em julho de 2007. A remessa de lucros e dividendos, o fator que mais impulsiona o déficit externo, alcançou em julho US$ 3,14 bilhões, mas os técnicos do BC continuam despreocupados, repetindo que em "algum momento" haverá o natural esgotamento do processo de remessas de lucros para o exterior. O comportamento da balança comercial, por outro lado, é o fator de maior esperança para manter o déficit em contas correntes em padrões bem controlados, ainda na visão do BC. É fato que o saldo comercial de julho foi de US$ 3,3 bilhões, bem acima da média do ano. Os dados da Fundação de Comércio Exterior (Funcex) sugerem uma alta de 25% no saldo comercial de 2008 em relação ao ano passado. Vale notar, no entanto, que esse resultado tão promissor está embasado na expectativa de manutenção de preços altos nas commodities, em especial as agrícolas. No primeiro semestre, segundo a Funcex, o volume exportado foi 0,6% maior que o do mesmo período de 2007, mas os valores subiram 27%. Se ocorrer uma redução de preços dessas commodities, ainda que modesta, a pressão sobre o déficit nas contas correntes será bem significativa. A tranqüilidade do BC em relação ao déficit nas contas correntes a ser coberto pela entrada de IEDdeve ser contraposta ao fato de que o cenário do fluxo de capitais no mundo se alterou bastante a partir da crise do subprime nos Estados Unidos. Esse fato já pode ser sentido na média mensal de IED para o Brasil, que foi de US$ 4,09 bilhões no primeiro semestre de 2007 e caiu para US$ 3,6 bilhões de janeiro a junho deste ano. De fato, soaram as trombetas de alerta no déficit em contas correntes. Cabe, portanto, ao governo manter posição de cautela. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)